sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Me faz

Me faz assim, como uma boneca, me aveluda o rosto, fria porcelana, em rosados sorrisos e olhos imóveis. Me faz assim parada, criando silêncio e cultivando inexistências leves. Me move, devagar, me veste, me faz ser algo que se quer, que se tem. Me faz boneca de teus dias quietos, ansiosos. Me faz desejo mudo.

Te diverte, Luiza

Te diverte Luiza
te diverte que vai passar
não tapa teu sorriso
nem te acanha em falar
não tem medo em exagerar
nem te poupa demais
Te diverte o quanto sentir
e abraça sem pensar
faz coisas muito bobas
e te deixa parecer linda
sabes que a noite é longa ainda
mas a vida é muito mais

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Não me ameace
não me segure o braço
não vou deixar
num safanão sua imposição fura
me viro e te arranco as unhas
quero ver o quanto sua pressão dura
quando te encarar assim
vendo e desgostando
muda

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Os medos queimando no barro
O sumo negro escorrendo
Produto livre renegado
O cheiro acre do medo no ar
Entre cada olho fechado
A brecha que oscila e se insinua
Sem entretanto ser brusca
Os medos queimando no jarro
Só fazem respirá-los destilados
Pelas águas que não lavam as mãos

Para Nós

Pó de asa

Por vezes rezo que a noite caia por cima do sol
Passo o dia nesse anseio
Para voltar pra mim
Como um elástico à exaustão
Preciso pouco mais que um resto de sol pra lembrar
Que existe mais que isso
Com a escuridão do ar
Poder me abrir as portas
E logo depois fechar
Fazer mais uma vez um ninho
Pra um só

domingo, 25 de dezembro de 2011

Furador de papel

Dentre as milhares de bolinhas de papel em confete está uma. Nela tem um pedaço do teu nome e um pedaço do te amo. Não sei quem ou como conseguiram passar esse pedaço do meu coração pela brecha do furador de papel.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Diela

Algumas horas se convence de que o amor é pálido. Um ser que usa uma máscara quase igual ao rosto.
O vento é um bálsamo quente para seus olhos tristes. Ao olhar pela janela ela vê o viaduto. Fica olhando para ele. Pensa, o quanto gostaria de se abandonar na altura. Ela sente quase um alívio ao pensar essas coisas de desequilíbrio. Sempre acariciara suas insanidades, ela sabe quem é com elas. Sorri amargo testando, provando um pouco de cada perigo, de cada beirada, como passar os dedos pela chama de uma vela. Numa volta dessas, faria coisas que a fariam pensar mais tarde que teve coragem.
Como se fosse uma parte desconhecida dela, chove. O calor e a dor em sua cabeça, a falta de um real abandono, a estrada que não parece acabar, a secura em sua garganta e a vontade de se entregar às suas pequenas destruições, saborosas vitórias no seu ego. Ela olha. Se vê saindo, caminhando para a chuva, derrubando as coisas e recebendo-a silenciosamente. Desvia o olhar, mas em todo canto chove e o carro é enormemente minúsculo.
Essas partes dela, essas que afastam as pessoas. Justo as que a aproximam dela.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Abro espaço em letras para a luz. Junto as teias que me puxam de volta, uma massa vai se formando com as lagrimas que caem na poeira. Quem estiver do outro lado vai saber que essa luz vem daqui, daqui de onde é mais escuro, aqui onde o ar dá voltas mas sempre para em nossos pulmões. Nessas letras quero dizer pra mim mesma e para todo o nada que resta. Quero dizer o que não sei e apenas faço isso, coisas que a gente faz sem saber de onde. Se em meu passo trôpego derramo de meu copo o teor de meu estado, suponho que o pó que levanta cobre todo o resto que faltava. Nessa treva em que abri letras, espero que não desespere mais ninguém, por ter a luz tão em foco único. Se você vir, dê uma volta, espero te encontrar, poderemos respirar o mesmo ar uma vez, quem sabe entendamos.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Farta

Toda a carne e todo o sangue
são tão diferentes da pele macia
que eu conhecia
que nunca vi
Toda essa fome essa falta
que mata o que eu não tenho
me mata de saber
que não te tenho
A carne e o sangue
a falta e a morte
ninguém nunca sabe
são meu norte no momento
Desde que eu mate
corte a pele sangre alimente
e veja que enquanto morro
todo o resto se fode porque eu aguento
sinto
cada vez que escrevo
teu nome
o movimento
da lamina
em mim

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Vejo ele indo. E não sei se é um passado ou futuro. Em que tempo. Vejo ele se afastando, bem devagar, e cada segundo é como se eu tivesse acabado de notar. E ele vai indo, lentamente, pelo rio. Meu barco, com meus remos. Até eu perceber que só há o rio, e pensar se devo ir embora.
Você vai ficar.
Quando eu estiver longe, se conseguir te magoar do jeito que vou, quero saber que cumpri com a verdade. Pelo menos no fim.
Você vai ficar.
E vou te ver pelas costas, sabendo o quão errado vai parecer. O quão certo, se você vir.
Você vai ficar.
E quero ir o mais longe que puder, o mais rápido, com tudo o que tenho. Não te deixo nada.
E quando você ficar
Não olhe para mim, apenas acene, ou se vire, não leve nada. Me deixe também.

Quero cantar sozinho.

Quero cantar sozinho.
Esquecer, ou fingir
que o veneno
que escorre pela água
não existe.
Fechar os olhos um instante.
Ser tão sozinho
quanto sou.
Para Renan.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Tão novinha ainda meu deus! Dizem tanto isso. Dizem realmente muito. Mas ninguém entende. Tudo dá na mesma. Você já se perguntou o que te faz querer crer tanto que sabe mais que alguém? Mesmo quando é sobre ele mesmo?
Ok, pode tirar essa gravata vermelha agora. O chapéu também. Isso você tira se quiser. Já pode tirar essa fantasia que está usando na mente, eu já vi.
Sim, faz tempo que você crusou as linhas, faz tempo que você não sente nada ao crusar o que sobrou delas, tantas e tantas vezes. Quando a gente faz isso, seja para o que for, é irremediável, a gente sente na hora, geralmente como uma roupa muito vulgar que a gente se descobre usando. Mas eu vejo, todo mundo vê, você já passou disso.
Você tem um sorriso de quem não sabe se consegue ver a graça das coisas. Pode fazer seu papel, meu bem. Farei o meu.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Legs

You say
You wanna go
Go far away
Away from here

But I know
If I called you
Come with me
You would say no

Your love calls
Your life requires
I'm in the middle
Cover of lies

I'm your past
Your absent future
Your best wish
I am the last

I'm the missing second
On your memory
The time that
You met me

domingo, 4 de dezembro de 2011

Circo Negro

Quando eu era uma fagulha ainda, toda joelhos e cotovelos, me levaram no circo. O dia tinha sido cheio de coisas que a família não demonstraria em público, aquelas que existem mas todos escondem na frente da sociedade, então de noite me levaram ao circo pra certificar que eu não entendia nada e que não pensaria nisso.
Era um circo como nunca tinha chegado na cidade, e que, imagino, nunca mais chegará. Merecedor do nome, invergava imponentemente uma bandeira grande e preta, que a mim se pareciam com os brasões que aprendia a reconhecer, em suas três tendas médias e na tenda principal e maior de todas.
Me perguntavam coisas como se eu gostava de circo, palhaços, se eu estava animada, se estava achando bonito, se queria algodão ou amendoins. Outros, conhecidos ou não, diziam coisas como "Que menina bonita, tão quietinha!", felicitando meus responsáveis, mas sem manter o olhar sobre o meu por muito tempo.
Eu, como criança de olhos negros, me limitava a acenar sim ou não quando lembrava e observar.
Demorou bastante ainda para o show da noite começar, vimos os animais, taciturnos, vimos dançarinas, artistas, pessoas alegres e vendedores.
Os adultos juntavam-se a outros em conversas comuns e chatas e me deixavam andar por perto, confiavam-se na minha falta de demostrações de interesse. Dei algumas voltas já desinteressada, confessadamente cheia de tédio. Fui andando pelas laterais das tendas, cansada de desviar das pessoas, olhava as brechas e a grama que roçava os cantos da lona e meus sapatos. Em dado momento tive a impressão de ver um par incandescente de olhos, duas estrelas púrpuras numa meia face marrom parcamente iluminada. Não sei que partes do meu cérebro infantil se desativaram nesse momento, mas fiquei estática enquanto um chiado emergia na minha cabeça, como alguém pedindo silencio. Seja o que tenha sido, continuei andando e dando voltas até a hora do espetáculo.
Dentro da tenda principal outro mundo começou, cheio de brilhos, gritos, expectativas, desafios à crença e a indiferença. Coisas que já encantariam quase qualquer adulto maravilhavam as crianças, mesmo as mais velhas. Qualquer coisa que valia a pena viver, esquecer o dia inteiro, trocar pelo dia inteiro, pela vida inteira.
Tudo isso eu teria visto. Nunca mais eu teria esquecido. Seria essa minha grande memória de infância. Mas a magia que se instalou em minha memória foi outra. Tudo que eu me lembro daquela noite é ele. Eu o vi parado ao lado da entrada da tenda, embaixo da arquibancada, as faixas de seu corpo iluminadas pela luz do picadeiro. Aqueles olhos. Aqueles olhos que você lembrará para o resto da vida. Aquela escuridão em todo ele. Ali minha alma foi roubada para sempre.


Aquele beijo que você me deu. Sim, aquilo ainda arde em mim, mais do que meu disapontamento, sinto dizer. Seu cabelo curto nas minhas mãos, sua nuca me lembrando a curva do braço do violão. Seus olhos pintados serpenteiam ainda, evidentemente, zumbindo de um ouvido a outro em mim. O primeiro a sumir foi seu adeus. Você e sua sombra tornando-se vagamente um.
E quando você foi eu lembrei de tudo. Seu tempo difuso me fez esquecer, esqueci da alma do cheiro, da flor do hálito, da atenção, a felicidade focada em um sorriso. Voltei a te seguir, ainda que só por esse tempo.
Sim, sumiu seu adeus, você sumiu. No lugar ficou uma você de fotografias, e a última é de suas costas. Minha chuva.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A sombra da figueira

Livre-arbítrio. Liberdade, vidas. Você tinha tudo. Desde sempre você tinha tudo, até uma boa história. Tinha amor, uma casa, uma família te esperando nela, um caminho crescente à frente. Você tinha um amor incondicional à disposição, era seu, com toda sua beleza e inocência. Mas você o cortou os cabelos, tão belos, e o tornou frio, frio mesmo, quando nem era sabido o que era calor ainda. Sua barba arranhando os rostos lisos, você amassou cada pedaço de um origami tão bonito. Você olhou para tudo e disse, mudo de olhos injetados, tudo é uma bosta.

Dança

O chão treme. Vibra no tum dos pés. O ar transpira energia e sorrisos etílicos. Cabelos na testa e contra a luz. Alegrias viram tristezas e tristezas viram sorrisos. Mas na dança tudo se apaga, e se não apaga, vira tum nos pés.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Black Poison.

Orlando entra comigo. Ele me viu levar um soco, bem na cabeça. Minha cabeça pesa, minha fronte dolorida abriga, a contragosto, meus olhos secos e ardidos, e guia meu corpo mole. Adam também está comigo. Empurro a barra de metal da porta de pressão, sentindo a sujeira na palma das mãos. Entro, só eu deixo pegadas. Ouço o fechar da porta atrás de mim e o pouco que pude ver com a luz fria da rua, altera-se para uma penumbra adornada de almas soturnas. O único som possível é o da poeira se movendo no ar estagnado. Vou andando, incerta, mas outro lugar não chega a ser uma cogitação. Um passo, som, eco. Outro passo, som, eco. O eco se perde surdo no movimento das partículas no ar. Paro, algo me diz para parar. O silencio é uma massa que me empurra os ouvidos. Então começa. Um uníssono, nossas vozes juntas, aterrorizantes, de repente. Nossas vozes, iguais, cantam a mesma coisa, alto, muito alto nos meus ouvidos já maltratados. Depressa, várias partes de meu consciente me mandam, tape os ouvidos, arranque-os. Mas só o que faço é me encolher em mim mesma, olhos arregalados quando eu mal os podia abrir. De todos os lados vêm e começam a ficar ferozes em seu arranjo magnético e perfeito, cujo sentido das palavras não consigo entender estritamente, não resisto nem para manter os meus. Meu pavor começa a entornar de meu sangue e saio cambaleante, tento andar sentindo minha testa úmida e uma loucura me dilacerando a garganta. Sim, sei que Orlando e Adam estão, mas que vultos temerosos são, eles também não sabiam o que ia acontecer. Só percebo que as vozes pararam quando sinto minhas unhas sangrentas cravadas em minhas palmas. Mas pouco muda, percebo também. Agora percebo o som que não tinha percebido. Um coração batendo. Envenenado.                                     

domingo, 20 de novembro de 2011

Dossel

Naquele quarto ela segura a cabeça do senhor com sua mão de unhas pintadas, segura com muito carinho o rosto cansado e gordo do homem, seu nariz bexiguento, seus olhos brilhantes quase baços em sua calva cabeça. Ela está de camisola e cabelos soltos sentada mais alta no pé da cama. Mas não há maldade ali. Naquele quarto, de pintura forte e luz fraca, de móveis ordinários e aparência vulgar, ali se paga pra ter, ainda que por um espaço definido de tempo, um pouco de sonho. Ela já não é muito nova, tampouco é velha ainda, mas ali ela tem todas as idades, vira mãe carinhosa, irmã devotada, adorável esposa, filha reencontrada, amor perdido, o que necessitar o coração dos homens e mulheres que entram ali, com dinheiro e sede. Ali as dores são aguçadas e adormecidas, lembranças existentes e inventadas surgem no melhor perfume barato, ela fica mais bela, eles ficam mais novos, até a cama ganha dossel.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

No chão, uma faca de cabo grosso e preto, lâmina nova. Na faca e no chão, um sangue escuro, quase negro. Luz parca e amarelada na rua ilumina pouco, reflete vagamente na lâmina. Ninguém passa. Ao lado, pouco mais distante, um homem curvado agarra a si próprio, sentado no chão. Silêncio. O desespero é silencioso.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Vermelho Veneza

Aquele lugar na Itália. Aquele que fui sozinha uma vez. Não sei dizer se é bonito. Mas acho que eu pertenço lá.
Acho que vou mais uma vez. Ainda tenho, em algum lugar, uma fantasia. Talvez eu não chegue mesmo lá, mas devia. Esse lugar na Itália, eu já sorri lá. Conheci uma garota. Em instantes ela virou uma mulher, quase não a reconheço. Lá eu já andei de barco. Já vi a noite, é uma noite diferente. Passei pouco tempo nesse lugar, muito pouco, de fato. Quando acordei já estava aqui. Talvez eu envelheça lá.

Altiza

Ela era menina e corria quando caiu e arrastou os joelhos e as mãos no chão. Enquanto algumas lágrimas escorriam dos seus olhos, ela olhou para as marcas de sangue nas tábuas de madeira. Ela jamais esqueceria daquilo. Percebeu alí, horrorizada, que o que fazemos deixa rastros.
Aquelas manchas nunca mais saíram da madeira do chão.
E todo sangue que saiu dela, desde então, marcou permanentemente alguma coisa.

sábado, 12 de novembro de 2011

Toma.

Não, fica. Quero pensar que tens algo meu. Finge que este pedaço de coisa é um pedaço de mim. Olha pra ele e lembra desta pessoa tão tola a que pertencia. Olha pra ele e entende, lembra, ele te mostra que estou a teu dispor, só precisas estender a mão. Talvez com isto por perto eu, parecendo ainda mais boba, nesta forma tão coisa e pequena, demore um pouco mais no teu olhar.


terça-feira, 8 de novembro de 2011

Mensonge Romantique


...e então nos encontrávamos. Debaixo de algum lugar nos protegendo da chuva, e nos olharíamos. Você falaria coisas sem importância alguma e eu lembraria de tudo mesmo assim, ou falaria coisas importantes, e eu não lembraria de nada. Eu lembraria dos teus olhos, estariam tão brilhantes, e teu sorriso, um sorriso de paz, e nervoso de estar, enfim, em harmonia. Ou não diríamos nada, pra nossa surpresa, por nossa surpresa, mas nos veríamos, veríamos em nós a verdade de termos nos encontrado, tão inesperadamente. E sentiríamos um nervoso, como quem olha de um lugar muito alto, mas sorriríamos por ver a paisagem. Talvez falássemos da chuva, ou talvez nem lembrássemos que estávamos molhados. Seria um belo fim de filme. Mas nós descobriríamos que pra nós era justamente o começo, depois de uma introdução muito longa...

domingo, 6 de novembro de 2011


Você tem cheiro de travesseiro. Tem cheiro de perfume e maçã.
Saia da minha cama.
Saia agora, saia do meu quarto, da minha vida. Saia!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011


A borboleta está morta. Tudo é uma série de coisas impulsivas e sentimentais, fortes, fora de série, como o fogo. Então vem as palavras e tudo passa a ser palavras. Que danem-se todas essas correntes inúteis que me fazem ouvir, que me prendem as mãos, que me toldam as asas. Quero matar a borboleta, com seu voo frágil. Quero virar um monstro, quero arfar e correr, quero ser a besta que vai correr pela noite, o mostro que tem olhos. Varar o céu num único voo que te deixará surdo. Quero ser toda a escuridão, toda em um só movimento. Gritar e matar, me matar e não morrer. Quero ser minha voracidade, onde até o medo vira vento.
Animais não tem nome. Animais não falam.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Vejo pontos brancos em meu casaco preto como a noite. São como estrelas. Como o universo. Olho para cima e, porém, o universo também está lá. Mas com apenas duas estrelas.
Às vezes, sabemos, imaginar não é saudável. É a parte do platonismo que faz querer transformar tudo em pedra. É dolorido, transtornante. Mas experimenta-se nisso uma tendência masoquista, inevitável e suicida. O sonho, o puramente sonho, nos atrai. O homem quer mais o que não pode ter.

sábado, 29 de outubro de 2011

Eu sou onde os sorrisos morrem.
Não haverá mão que me afague a cabeça, nenhuma que não me queira algo. Tudo que me toca me quer algo, me toma algo. Por isso nenhuma me irá tocar.
Olho de soslaio, mesmo quando de frente, e vejo todo meu destino estendido, assim, como a me estender a mão. E um mar gelado passa entre mim e todo o resto. Eu sei o que tenho a fazer. Mas vou embora, vou como se não houvesse toda uma morte e uma vida a se desenrolarem no meu peito. Nada de mais, digo, na próxima, sim. Mas e se não houver... não haverá uma próxima, haverá?
Por isso hoje usarei vermelho, em homenagem a tudo o que eu não fiz. Em homenagem a tudo que se move em mim, numa corrente adversa a toda a chance. E olharei nos olhos do nada e falaremos a mesma língua.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Mãe

"- Não é possível! Só eu na face da Terra consigo fazer isso!
 - Se eu fosse a senhora não dizia isso. Afinal, eu sou sua filha.
 - É... Mas talvez minha filha não viva na face da Terra."

De ratos e derrotas

Arranco à unha teu olhar de mim. E o calor de tuas mãos queima as minhas. Afasto o mal cheiro da minha raiva com a repulsa de quem enjoa da doçura do amor. Tua limpeza suja minha fumaça. Se é fato que todos querem ser felizes, não sei quem sou. Mas minha tristeza, e minha alegria, e minha embriaguês, são tão fajutas, tão fitas, quanto tudo que sou e finjo ser e não ser pra tentar ser algo mais que um nada poeirento. Como a camada colorida e brilhante que encobre uma água suja e oleosa. Meus ventos voaram pra longe. A tempos as flores dos teus beijos murcharam. E também com elas minhas borboletas. Não revolvo terras, não semeio, nada quero senão que o ar seja o que é. O ar não vira vento se empurrado. Tua tosse só me mostra que não sabes respirar o que sou. Mostra que queres, que precisas me expulsar dos teus pulmões. Ainda que sorria e finja. Que sorria e acene. E se não bastasse minha pele, teu olhar, tanto quero também me arrancar o sangue, me arrancar o sorriso, me arrancar por inteiro, arrancar tudo que não tenho raízes. E assim com as unhas cheias, com o olhar cheio, tudo que ele guardou, nada disso foi para alguém, ninguém viu, ninguém assistiu o enterro da minha última quimera, nem os gatos negros que me percorriam a pele ao sentir tua possibilidade em meu caminho. E de repente, fácil fosse, numa tragada o dia me finda.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Dama dos Laços


Me torturas. Andas a tocar-me sem me querer. Andas, e não sabes que o fazes. Falas e nunca dizes uma coisa, apenas. Penso às vezes que me queres por louco. Mas não sabes que o fazes, e o fazes. És simples e envolvente como uma flor exótica. Me torturas e por vezes penso em dizer-te "Que queres? Toma-me ou deixa-me em paz". Quando penso que não estás, te acercas mansa e ferozmente bela. E quando penso que finalmente vais tomar-me, deixas-me a ver o vento. Bem vejo, quando eu não mais estiver perto, vais querer puxar-me pra junto, como se me quisesses verdadeiramente, porém já saberei eu que tão pouco valerá voltar. No entanto voltarei, indubitavelmente. Me mereces. Ainda que não me queiras.

Aos Deuses Internos

Eu bebi do fogo em pura forma
Todas as flamas adjacentes e temperamentais
Bebi como quem bebe do elixir Olmeca
Brinquei com as fulguras em minha língua
Em misto ardente de tato e paladar
E eu quis em suma e ensandecida
Que elas e as damas queimadouras
Dançassem dentro de mim invisíveis
Como jamais haverá quem faça
E nem todo amor nem todo o ódio seriam tão frios
Como as chamas que bebo em meu nome

sábado, 22 de outubro de 2011

Traje de Gala


A chuva, o cheiro, a fumaça, tudo tudo lembra algo muito bom de viver, algo que só de existir é sublime, algo que você lembra mesmo que nunca tenha vivido. O mesmo som dos carros e pessoas, os mesmo afazeres da vida normal, os mesmos trajetos, sem dúvida, mas tudo vira outra coisa, tudo é mais fresco e o vento fala outra língua, da liberdade. As ruas são escuras e claras ao mesmo tempo. Os sorrisos merecem ser calmos, se vierem, e tudo incute um rir interno, até mesmo respirar. E o tempo vibra suavemente, pela área atrás dos olhos, ameaçando voltar algo lá de trás, de se dobrar repentinamente.
É assim que a Existência mostra um dos seus trajes de gala.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Ácido Lúdico

 
Na boca cheia de fumaça
flutuam, envoltas,
minhas últimas palavras.
São teu nome e nele digo que sei.
No tédio mortal dos meus dias
segui muitas vezes
o pensamento do nada cinzento.
Tão embora nada tenha mudado,
em fato,
o tempo é findo.
E é sabido que o tempo muda
toda uma perspectiva secular.
E de séculos é formado todo ele,
todo santo segundo
em que detesto tudo
que amo.

sábado, 15 de outubro de 2011

Mais adiante há uma floresta. Uma densa floresta de árvores de folhas grandes. Corre um rio, mas o importante não é a corrida dele, afinal não se sabe pra onde ele corre, ele não chega mesmo ao mar. O rio é verde, um verde intenso e azulado, escurecido pelas pedras pretas, redondas e brilhantes que forram o fundo. Não é muito largo, o que torna mais difícil de explicar sua cor, não que alguém já tenha pensado em fazê-lo. É um rio que toma toda luz ao redor, por metros, mas ilumina toda a vista, sem reluzir. Ele toma a atenção. E o raciocínio, também. Vaga, por lá, algo silencioso. Algo vestido de preto e tão silencioso que se move e respira rouco e, ao fazer isso, torna tudo mais silencioso que antes. Há também, uma clareira, não muito grande. No meio  dela, não exatamente no centro, uma árvore, ou algo muito próximo disso. Talvez alguém, ou algo próximo disso. Deve haver também coisas as quais não há como ter certeza, não há certeza se estão lá, se existem, se são coisas e se, existindo algum lado, qual escolhem, se escolhem. Só não parece haver, nessa floresta, por esse rio, pela clareira e mais profundamente, pessoas. Não parece.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011


Sou feito de pedra

Entre todos de todos os lugares

Sou feito de silêncio

Ninguém se arrisca fogo à pedra

Sou feito de perda

Fumaça e Espelhos

Uso de estranhezas simpáticas e curiosidades para encobrir o vazio que sou.

Não se engane, é tudo fumaça e espelhos.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Chave

Começo indo onde devia estar. Não. Olho em outro lugar. Depois em outros cantos comuns. Aí já ando, rápido e nada produtivamente. Então paro e ando devagar, verificando outros lugares nada específicos, os mesmos de antes, todos os visíveis. Penso todas as probabilidades e refaço o caminho todo de novo. Alço a vista por todos os cantos e por todo o perímetro. Nada.
Não adianta. Não consigo me achar.
Estava em um turbilhão tão intenso de idéias que, quando passou, apagou todas as luzes de uma rua e acendeu as de outra.

Café

Marina beija seu amor. Acorda e vê que é apenas uma pessoa. Marina acorda todos os dias com essa sensação terrível e libertadora de quem sabe que não terá nada, e será sempre assim. Ela toma café, come um pedaço de pão e sai, ainda recendendo a café. Marina vai sem pressa, sempre sem pressa, talvez rápido algumas vezes, mas não foge de nada, não vai atrás de nada, não tem pressa. Tudo que Marina merece, ninguém sabe. Ninguém nunca fez as contas. E até parece natural assim.
Algumas coisas acontecem, às vezes, umas coisas ou outras, ela ri, riem pra ela, faz vento, coisas. Não há nada que dure o tempo na vida de Marina. Depois de um dia de nadas, coisas ou algumas coisas, o que resta é Marina, ainda é Marina, seria surpreendente, se ela se surpreendesse tão naturalmente como é natural. Você não fala de sonhos com Marina.
Aparecem alguns fluxos que ela segue, vez ou outra, como era de se esperar. Ela almoça, qualquer coisa em qualquer temperatura, o sol realmente combina com Marina, ela sabe disso enquanto olha a tarde. As tardes já fizeram muito com ela.
As noites, quase sempre, tem algo que mudam Marina. Mesmo os anos parecendo vidas.
Certa vez vem um moço e pergunta o nome dela. O moço sabe seu nome, quando ela nasceu, e algumas outras coisas, coisas que Marina percebe que ele sabe, e é só o que Marina sabe do moço. Marina tem às músicas como ao café. Às pessoas como ao almoço.
De resto, todos os dias Marina ainda é ela.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

sábado, 1 de outubro de 2011

Preciso me reconectar com algo, lembrar as coisas importantes e fortes, todas as coisas que viajaram para um castelo distante.
Naquele prédio abandonado reside a minha alma.
Nossos silêncios são sagrados, sabe Luiza?
Eco, cimento, poeira, fios decompostos brilhando eletricidade.
Pés silenciosos deixam pegadas vermelhas num chão limpo. Uma, outra, outra.
Na beirada, nas colunas, tudo é meu, tudo sou eu.
Senta-se, tudo é branco, claro como sua cabeça jamais será.
Depois um grande vento, direto, de todos os lados. Mais nada.

Sunny Nights

Não existe

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Alastrar

Um tanto de difusão
um descontrole obtuso    qualquer coisa que não preste, na verdade
  indeciso e nada hesitante
seja como seja, seja qualquer coisa que seja mais um pouco que nada
que não serve
  vai continuar não servindo, mas um pouco de cada coisa que sai
nada muito importante, claramente  tão evidentemente inútil e vago
que no entanto talvez aproveitavel
mas sem intensão, alguma hora sirva
 mesmo que pra não servir a nada

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Espelho

Que irás fazer
Me querendo assim e sem querer
Quando eu quiser alguém
Que não seja você

domingo, 11 de setembro de 2011

Preparavam-se às pressas, em pares, saindo da superfície coberta de neve, subindo em locais altos, árvores, não confiavam suficientes os muros e portas para os protejerem da matilha de poderosos lobos. Souberam, eram tempos difíceis, que alguma coisa estava para acontecer. Passariam, talvez, dias montados nos postos, alguns alcançavam ainda folhas, coisas que pudessem usar. Porém, mais tarde, aquele grupo, no chão, cercados, ouviam apenas. Nada havia acontecido. Mas escutavam atentos, tensos, discutiam pausadamente, sentindo no ar, sua habilidade experiente de povo que sobrevive. Um uivo. Logo depois outro, diferente. Ambos estranhos, fortes, denunciando uma proximidade não existente. Calaram-se, depois, tentaram, confusos, decidir o que significavam. Mas ela, ela disse.
Um foi de macho, o outro de uma fêmea. Ela sofreu. Ele agora sofre, ela era a vida para ele, sua luz.
Não se sabe se nasceu.

PÍLULAS

Dormindo com lobos

Tudo em mim
tem algo de teu.

sábado, 10 de setembro de 2011

5 Milhas

Agora, chegando, em lugar nenhum, desmonto, como mole jogo de peças de carne dura e fria. Descendo de meu posto, escorro, quente e em pedaços, forço a dor, que em porções grandes, se recusa a sair por meus poros. Terminado meu trabalho, preciso estender-me, distender meus atrofiamentos. Que dor. Dispo-me com cuidado, retirando as roupas brancas com a atenção de quem localiza feridas não previstas, devagar. Assim, sem nada que cubra minhas dores, posso ver minhas formas tortas e machucadas, mas não as quero ver, não necessito vê-las. Todas as preparações maquinais são feitas sem que eu as enxergue. Ando com pés em chão frio, não os sinto, deito em cima de minhas feridas, as sinto tampouco. A inconsiencia não me suporta, também não o consiente, concorro a um estado suspenso de inanição vazia. A maldição da força não me deixa esgotar-me, não me deixa sumir num eco de nada quando já não posso nem me mexer, assim, permaneço com um único foco de luz, com tudo a puxar-me e apertar-me quando não sei o que mais posso pedir. Se por fim a noite me rende, procuro, no fim, não pensar que, logo que se acabar seu anestésico, nenhum ópio me tirará do contínuo, eu ainda estarei aqui.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Falta das uvas

Dê-me meu vinho. Ande, passe cá. Não gastei dinheiro à toa. Ah, o dinheiro era teu? certamente, ainda é incomensurável o que me deves, meu amor.
Vamos, passe. Ainda não abriste? Dá-me, deixa que eu mesmo faço.
Sim, agora sim. Agora sinto-me melhor. Que este álcool tão minguado carregue meus pesos em seus ombros, pouco me importa se me subirá neles depois, com todo o peso junto. Livre-me deles agora, é tudo o que peço. Que olhas tanto com esta cara besta? Que me olhas também? Não faças esta cara de espanto. Olhas o vinho? Queres? Não, não meu bem, não suportas arcar com outra entidade a tentar sobrepujar a tua. Pensas que estou sendo sovina? ora, não, apenas te conheço bem, e sei o efeito que terá esta vida com este ambiente. Sei que não insistirás, não é do teu feitio a convicção.
Sinto agora que poderia dançar. Não, não te preocupes, não dançarei, apenas porque dispende muita energia manter-me comigo.
Que falas? Ora, virtude! Virtude é ser vilipendiado inopinadamente e sem contestação pela vida? Deixe-me, eu mesmo, fazer o que me apraz dela. Que me importa se é virtuoso ou não?! E não exageres, pois, que também não estou a fazer nada demais. Nada que não me seja merecido.
Ris, achas que mereço o que me vier? O que tem me vindo? Que sabes tu? Nunca tomas partido, tampouco fazes alguma coisa, não sabes nada. E vamos, deixe-me descansar, um pouco de tempo, um tanto de liberdade e outro de álcool não hão de fazer mal nem mesmo a mim.
Vai. É o melhor que fazes mesmo. Deixa-me engolir sozinho tudo que sai enquanto entra o vinho.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Tarde

O carro velho, o radio ligado na velha estação, aquelas velhas músicas. Ela adorava aquilo. E aquelas tardes com cheiro de lembrança, bons momentos de não falar nada, só deixar a musica, os raios do sol e o movimento do carro te preencher. Ela tinha certeza de que isso ia acabar. Mesmo sem saber porquê.
Vamos, arranquem-me a cabeça fora! Quem sabe, assim, eu paro de ressucitar?

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Agora

Agora. Agora começo a sentir.
Agora começo a sentir tudo.
Sinto. E não sei se preferia quando não sentia.
Não sei.
Raiva. Tristeza. Dor. Impulso. Injustiça. Raiva. Dor. Agonia. Angustia. Raiva. Raciocínio. Escape. Dor.
É tudo.
É tudo o que sei.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Caixa de Música

Desço à minha caixa de música. Sim, desço, deixo o som embalar meus passos que tremulam, tremem, antes do salto final. As notas, as pequenas, retumbantes, invadem, não, eu as permito. Entrem, vamos! Tomem conta, tudo em mim agora é vosso, ensinem-me a vida etílica das melodias em alto volume. Façam-me surda, fechem meus olhos, os embacem. Tomem minhas mãos e meu raciocínio, façam o que lhes é necessário para encarnarem. Desço, e as paredes desse corredor oscilam, firmes, frias, maravilhosas. E lá, sim, sim! Lá estarei, lá em baixo, minha caixa sonora, minha música ensurdecedora e mãe, estou e estarei, no meio, nos fins, dançando, juntando meu som, feamente, a tudo, até a música acabar.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Vai. Vira-te. Vive.

Vai. Vira-te. Anda e não olha. Sou dos sonhos, precisas acordar. Sou um chamado ao erro. Precisas andar pra frente, estou atrás. Sou amiga das algas. Das pedras. Vai. Tira minhas mãos de ti, afasta teu rosto, do outro lado o sol brilha, brilhará sobre ele. O que quer que aconteçará, te precisa. Reza para que a força do vento não te leve meus úmidos esporos de tristeza. Reza para ti. Vive.

Paravoxo

Nós somos uma antítese
de duas coisas iguais.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Frio

Hoje saí na rua, triste.
O sol veio e colocou o braço no meu ombro.
Disse: Vamos, vou com você.
Então fui pra sombra.

Não mereço complacência.

domingo, 7 de agosto de 2011

Guiomar


Guiomar era apenas ela. Não era uma Guiomar, não batia com seu nome. Não era muito bela, nem muito sem graça. Muitos faziam idéia dela. Idéias opostas, pelo seu nome e pela sua completa falta de fama. Falava, sim, tinha amigos, conhecia o dono do armazém, a dona do bar cujo marido morreu, as crianças do bairro. Mas não era uma Guiomar. Era uma mulher de fibra, sim, sorria com certa facilidade, usava vestidos simples, trabalhava. Aí a única coisa que tinha de Guiomar, ela era inegavelmente mulher.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Sorriso de Desdém

Quando o peso é muito maior do que tudo que se pode ver
Tudo deixa de importar
Que bata a chuva
Que o vento açoite
E cai a vergonha
E cai o medo
Fica-se momentaneamente livre
O desvario dos maiores pesos

O insustentável peso de ser

Não quero ir nem voltar.

Não quero ficar.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Despedidas

Hoje me despedi de mim.

Vi a mim passando pela porta, me abraçando e dizendo até mais.

Não soube como me fazer ficar.

Não soube como ficar.

Tonta, não soube dormir.

Andei a casa sem mim.

E não entendi como tinha andado sem mim a vida toda.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Das coisas de Coco

Tinha o gelo. Um mar e um gelo. E Coco. Pobre Coco, não gostava do gelo. Coco andou pelo jardim, que já era um mar, e o gelo, lá do outro lado, fazia suas coisas. Pobre gelo, queria gostar de Coco. Coco também não gostava do mar. E o mar era das coisas do gelo. Pobre mar.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Ela faz alguma coisa, entre fitas e vento. Ela faz uma luz que havia de tempo, que disfunde a via de horas. Que distancia de calor e vermelho escondido no nome. Faz qualquer coisa de futuro. Coisas que cheiram bem e brilham uma tarde. Uma dança qualquer de qualquer coisa intima e vida. Desertos em seu destino, destinos. As fitas, de alguma coisa, de nome e cheiro, desfazem-se, pobre delas.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Salão (dos Vícios)

Tenho a boca amarga. Olho pra frente onde deveria ser o nada. Olho esse que não é o nada, que deveria ser o nada, e que é pura traição. O mundo gira em mim como algo que gira sem mim e me gira e me deixa tonta. Mas estou de pé, não muito firme. Inclino-me e abraço essa traição, plenamente consciente de minha repugnância e minha fraqueza. Abraço e sinto o cheiro, o cheiro que ninguém mais sente e que eu não deveria sentir. Divido-me movediçamente, preciso mudar. Em mente, mudo meu rumo, algo como me afastar deste cheiro, ou algo como mudá-lo. Esse que deveria ser o nada, nada mais é que tudo. Que deveria não ser nada.

sábado, 18 de junho de 2011

Ponha todas as suas roupas .  Agora tente andar .

  É assim com os sentimentos .

terça-feira, 14 de junho de 2011

Caça às Bruxas


Medo. Resignação. Calafrios do pescoço às costas e agulhas no estômago. Olhar calmo. Todas as pessoas estão agitadas, não se sabe exatamente com que intenção, o que elas pensam, mas ela sabe, ela sabe quem e o que querem ver. Parece uma noite sem lua, mas ela sabe que ela está lá, atrás de espessas nuvens negras. Alguns percebem que ela está chegando, mudança nos rostos aparecem, ela teme mais esses rostos, e o que vai acontecer quando seus donos souberem a verdade, do que o que eles querem ver esta noite. Esta última noite. Ela não tem medo desta noite. A lua está lá. Ela sabe a verdade, e sempre carregou o peso dela, em troca do deslumbramento do seu encanto. Ela está sendo levada até o centro, onde as luzes já estão acesas. Suas mãos estão presas e suas pernas começam a pensar sozinhas, mas não, esta noite vai acontecer, ela já sente o calor alaranjado das luzes. Ela sente seus nervos aplacando-lhe o raciocínio em alguns momentos. Mas ela não tem arrependimento. Ela sente frio. Sim, toda sua vida ela esteve no frio, ela anseia pelo calor, pela consumação, pelas chamas que lhe sussurram seu nome. Ela não teme a dor, ela não teme os rostos, ela não teme o fim. Ela já não sente que eles precisam saber, não vê mais a injustiça. Ela está lá. E sim, mais delas estiveram lá e estarão por muitos séculos ainda. Ela está lá e seu coração quer gritar o quanto ela quer, o quanto ela sabe que vai triunfar esta noite. Então tudo começa. A luz laranja toma seu campo de visão e tudo o mais se torna uma confusão que ela já não tenta entender. Ela já entendeu. Ela entendeu pouco depois de nascer, e sente-se até tola por não perceber isso até aquele momento. E o calor de sete infernos toma seu corpo e leva seus pés e suas mãos. E todo o mal feito. E todo o tempo e o mundo deixam de existir. Ela acabou.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Era uma Vez

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sexta-feira, 6 de maio de 2011

Viajar

Ter um carro. Partir. Viajar à noite. Sair ao som das primeiras lâmpadas. Aproveitar o frio e o silencio da madrugada. Sentir o leve claro e calor dos primeiros raios de sol. Abrir as janelas. Cantar alto ou dormir numa tarde muito quente. Sonhar ou ler numa noite chuvosa. Passar pelas cidades nas suas noites. Suas luzes, seus abençoados silencios. Aproveitar a verdadeira Lua. Dar carona, sem grandes danos. Perder. Achar. Juntar alguém. Despedir, sem grandes danos. Acostumar. Se perder. Ganhar dinheiro, pagar coisas. Comer uma boa refeição quente em algum lugar. Cruzar fronteiras. Talvez, voltar.

Chá


Vai, vai, torna teu chá, segue tua própria casa, vai em teu sono. Esse cheiro que vem te encanta, não? Qualquer coisa é uma bela coisa, se é que tu me entendes. Vai, te deixo em paz. Mas promete-me uma coisa. Não te deixes diluir em qualquer color noturno, nem assim assim.
Posto que fragor é tórrido.
Posto que dolor é tácito.




Shot by M.W.
mais de outros em http://emvermelho.wordpress.com/

Vista


Chegamos um tanto atrasados. Quinze livros nos braços eu e Vera nenhum. Fomos passar por um espaço apertado entre duas cadeiras e eu acabei pisando no pé de uma moça, e pisei em cheio. Derrubei um livro. Apanhei-o e pedi desculpas, e eu também a estava atrapalhando, ela, no entanto, apenas sorriu gentilmente e acenou que não, que não havia sido nada. Saí e me sentei, um tanto constrangido.

Chegamos atrasados. Antônio sem uma mochila para evitar o malabarismo com aqueles livros. Fomos passar por um espaço muito pequeno, que eu soube na hora que daria mais trabalho que sentar logo na frente. O Antonio, cheio de cuidado, acabou pisando rapidamente no pé daquela garota e derrubou um livro. A garota nem o apanhou para ajudá-lo. Ele pediu desculpas, ela, no entanto, apenas sorriu sarcasticamente e fez que não. O pobre Antonio saiu derrubado.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Noite (de alguém)

     Ele toma fôlego. Ela o surpreende. Ele se contém para não dizer “eu te amo”, ele não deve fazer isso, sabe que não cairia bem, nem para a garota nem para os dois. Não que ele sinta mesmo isso. Não demora muito ele se recupera e olha para o lado, mas ela já está fechando a calça e assanhando o cabelo.

     Ela estava no bar, olhava para as pessoas procurando algo interessante, ela já é conhecida por ali. Ele estava com ela. Ela bebe quase como um pirata, mas isso não altera em nada sua maneira, apenas talvez torne seu sorriso mais atraente. Ele a quer.

     Ele a chama e se levanta para alcançá-la antes que saia. Diz agarrando-a:

     – Ei, tá indo aonde? Você não quer ficar... mais um pouquinho? – rindo-se, olha para baixo.
     Ela olha para baixo, sorri e diz, já indo para trás:
     – Sem querer ofender, mas você vai precisar de muito mais do que isso para me fazer ficar.

     Ela anda pela noite, o ar frio alfineta seu humor. Ainda não tinha chegado ninguém que a fizesse querer ficar. Mas ela não esperava que chegasse.

Impossibilidade

Todos esses meus desejos, vivos verdes e quentes, desejo-os e me atraem incontrolavelmente.
Mas se, enfim, possuísse seus objetos, não saberia o que fazer com eles.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Mistério

Detesto quando, como nos livros, descobrimos que o que até então era Mistério, não passa de uma realidade, comum, escondida sob uma manta.
Mistério é uma coisa, realidade tem que ser outra.

domingo, 1 de maio de 2011

Estrada da Noite

Veja meus dentes, recue ou vai experimentá-los, recue, eu sou pior que você.

Olhe, amor, tem passarinhos no teto.



Você já viu o teto? Tem passarinhos. E florezinhas.
Vamos, abra os olhos.
Diga, sou eu ou o teto que você não quer ver?

terça-feira, 15 de março de 2011

People Are Strange

"People are strange, when you're a stranger
Faces look ugly when you're alone
Women seem wicked, when you're unwanted
Streets are uneven, when you're down

When you're strange, faces come out of the rain
When you're strange, no one remembers your name
When you're strange, when you're strange, when you're strange"


The Doors

sábado, 5 de março de 2011

Apague a vela


Abra os olhos. O calor perto da orelha é a fonte laranja que, você tem a impressão, quase te queima a ponta dos cabelos. E com a nítida e atraente sensação de que um movimento qualquer te fará derrubá-la ou que a chama andará ao teu redor e por tuas roupas silenciosamente, até que te sumas inconsciente. Mas você nem a olha. Se o silencio é um vácuo, o som preenche e alivia mas não te faz esquecer. Pouco à frente dá para ver, mas há a parede fria de concreto molhado e todas as coisas mortas, o resto não se sabe. A simplicidade da ameaça é a linguagem frenética e sanguínea do entendimento selvagem. O que pode haver na noite que a alma vê em rastros de luz e reflexos rápidos? Pensamentos indistintos deixam indícios e não somem. Mantenha os olhos abertos. Mas se souber que não consegue, vá. Mas destrua os rastros, queime as pontes. Vá por vontade própria e com segurança. Antes de ir

Apague a vela.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Old Ladies with Doll Dresses

Visão dos Pensamentos

Estou numa sala com colunas e paredes brancas, nenhuma porta visível, lotada de objetos antigos, grandes e principalmente pequenos de cor ouro e bronze, no chão, nas paredes e sobre cômodas e estantes, como um antiquário. Aproximo as mãos e pego um deles, pequeno, de aparente porcelana branca, adornado de ouro escuro. E ao pegá-lo, por alguns instantes, sinto-o, frio, e, logo depois, ele toma um tom azulado e minhas mãos simplesmente o atravessam. E isso acontecerá com cada um deles, se eu os tocar.