domingo, 22 de fevereiro de 2015

Cuidado com teu abismo, cuidado! A beirada te suga e assopra, teu lado oculto ensurdece e grita, malogra a cautela de tua rotina. Cuidado, o vazio ecoa em teu ouvido, cuíca penada, rasgada na tua sandice! Cuidado menina, estas vozes não são as tuas, estes olhares laceram tua retina, tua vaidade não te atina de que, no fim, tua alma é imberbe e nua.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Warsaw

Não era puramente pelo ver. Ela, parada à janela, esquadrinhava o mar de luzes e sombras, a floresta de carros, gentes e outros sons. Olhava e fazia silêncio.
Era um farol de olhar emanando quietude para a cidade.
Ela olhava e se perguntava.
Era especialmente pelo perguntar. Se esforçava tremendamente para perceber. As coisas todas tinham um significado, uma importância oculta ou codificada.
Queria saber se existia algo em seu coração, se existia o coração dos outros sons, e árvores e pedras.
Tanto as gentes quanto os bichos, ela queria saber.
Assim, aparava o olhar do outro com ambas as mãos e mergulhava seu silêncio inquiridor, com atenção, para ouvir o que pudesse passar entre os dois, o que quer que pudesse ligar os seres.
Pois não só via, tão simplesmente - também escutava, plácida e desesperadamente, até o menor dos silêncios. O seu medo não era o silêncio, ou mesmo o escuro. Seu medo, íntimo e surdo, era o da confusão.
Havia sempre uma parte, uma voz, que ela não sabia dizer de onde, que era seu medo de estar errada, do vazio. De ser essa voz seu espelho cego, de ser ela a sua própria voz, acobertada por todos esses quereres e desejos esperados em demasiada alerta.
E o farol piscava por um breve momento.
Como saberia, especialmente na Hora da Descrença, onde terminava seu olho e começava o mundo?
E nessa hora, mais que em qualquer outra, o mundo parecia extasiadamente silencioso.