sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

#030

Diz, menina, diz pra mim que estás viva. Diz de verdade que tu, menina minha, és a menina de meus olhos cegos. Diz, minha menina, olha pra mim e diz no olho que tu és minha menina dor, a forma viva do que há de alma em mim. E diz aí, minha menina, com a mão na minha, que a dor que tu és existe, que tu menina é o lindo doer a toa me dizendo que eu existo também.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Marcus vivia como um cara comum. Meio medroso, nunca olhava nos olhos por mais de  dois segundos e meio, sempre usava uma gravata ligeiramente apertada, tinha uma distonia que nunca lhe havia permitido desenhar quando era criança. Nunca pensava em nada próprio que achasse digno de ser dito, e nunca havia namorado.

Quando dormia, Marcus nunca sonhava, ou pelo menos não se lembrava. Em fato, quando dormia, Marcus virava Dylex Mão-leve. Ninguém sabia dizer a aparência deste, era um dos maiores ladrões de rua de todos os tempos.

Um dia, sem razão aparente Marcus parou de viver dormindo. Despertou com uma consciência voraz, um sangue morno lhe drenando o medo gota por gota.

Levantou-se e foi vestir-se com as roupas de um vizinho seu, sem que este o visse. Saiu para a rua e em meia hora arrecadou mais dinheiro que dois meses e meio de seu salário.

Apenas com o olhar, conquistou uma ruiva que havia vencido alguns concursos de beleza em seu estado, fodeu-a a menos de dois minutos e meio do primeiro contato visual.

Fumou, bebeu, riu, patinou, nos momentos em que se deixou ser visto. Bateu em algumas desavenças de Dylex, sem que estes o vissem. Ficaram também mais leves.

No fim do dia, jogou-se num salto de dois giros e meio no ar, abraçando com um sorriso as pedras do rio que corta a cidade.

Foi o único sonho de Marcus.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Se espalha na melhor cadeira, parece esperar algo.
Destilar é a palavra. Um líquido espesso e escuro destila numa taça. O calor que ilumina a sala destila o tempo. O calor de seu próprio corpo destila o contido em sua mente.
Os saltos assimetricamente suspensos brilham um vermelho escuro do sangue que lhe caça por dentro. A sala, a luz, a cadeira, Dolores, tudo é uma imagem estagnada, um calor congelado onde redemoinham dores também escuras.
Dolores em si própria é a mais bela das dores.
Seu peito move-se na pulsação do que corrói, amargando tudo que se vê. Não vê nada, nem Dolores. Tudo gira e evolui num compasso vertiginoso, dentro, fora, em surdo e alto.
Dolores não espera coisa alguma.