sexta-feira, 30 de março de 2012


Gia. Tão magra. Suas roupas folgadas dançavam em seu contorno rápido. Roupas sem graça. Gia parecia... parecia quase um fantasma. Ela sorria e falava, mas as folgas de suas roupas se moviam e seus cabelos mal presos lhe obstruíam um algo que não se adivinhava. Tinha uma voz bonita, dava pra ver, altiva até, gesticulava. À certa altura, Gia levantou-se, rápida de não se perceber de onde tinha vindo, foi ter com um rapaz que estava no patamar de cima. Escorou-se e se esticou para por o rosto e os braços, que gesticulavam ágeis, ao alcance do moço. Então, nesse movimento, seu blazer preto simples, tão sem graça, retesou-se ao corpo e esticou, deixando livre uma pele limpa e clara acima da cintura da calça. E ali, naquela posição e simplicidade, Gia era linda.


Pobre Léia. Tão triste algo em mim se sente em ver tua beleza tão insuspeitada. Pálida, muito pálida, não como tua pele fosse alva, mas como alguém que passa muito tempo em silencio. Cabelos tão negros e singelos, que te emolduram tão naturalmente o rosto que, parece, nunca será feliz. Tão intensa torna-se minha mente a vaguear o olhar por tua aparência recolhida, teu pescoço longo e claro, corpo acolhido e recluso, pés juntos. Vejo-te invariavelmente de olhos baixos, olhos escuros, não de submissão, mas de algo mais profundo. E mesmo tendo teus olhos postos à altura do horizonte, ainda sinto a falta que olhos baixos fazem sentir.


O garfo suspenso logo abaixo da cabeça apoiada nas mãos, unidas sobre a boca. Mexer, arrumar, uma garfada. Aquela noite Marin jantou sozinha. Muitas mesas, nem todas cheias. Mas Marin jantava sozinha.

domingo, 25 de março de 2012

Ela era feita de medo, toda ela. Nem parecia. Era uma contradição ambulante. Uma contradição gigantesca, porém fácil, muito fácil de ler. Mas ninguém se interessa em ler nesses tempos. Podia ser mais que uma contradição, afinal, se precisa de força para viver com medo. Medo de olhos bem abertos, medo que sabia o que estava fazendo.
Ela nunca falava nada além do que o medo lhe sussurrava, e sabia, até antes que o medo lhe tomasse como essência, que se o fizesse, ele a envolveria os ombros com um braço frio, mas protetor, desculpando-a por sua besteira. E ela prometeria nunca mais fazer de novo.



domingo, 18 de março de 2012

parede

uma vez

outra

outra

outra

dói


mais uma

uma

minha testa não sangra, minha cabeça gira, o mundo gira, mais que o habitual.

a última e pressiono minha testa contra a parede

não sei que estado primitivo faz isso, mas funciona.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Ponte

E então eu vi. Era sim. Você ali. Aqui.
Quem é você? Quem sou eu?
O que aconteceu? O tempo aconteceu, uma enxurrada lenta e contínua.
O que somos?
Eu me tornei uma pessoa estranha. E você se tornou uma pessoa comum.

Teu desenho na parede


Você era pura arte, entre teus desenhos e teus traços. Linda, fugidia, minha. Nossos corpos tão perfeitos, belos e ágeis. No sumir sem como e retornar sem por onde e nunca desaparecer. A parede, a mesa, o chão, tão novas, únicas e sem dono e, no entanto, tão entregues. Nos queríamos, incrivelmente na mesma intensidade. Você era surpreendente.

Um acaso, que houve de contracorrente à liberdade, você teve que ir. Pensava em nada mais, chamava. Ainda nos veríamos. Nunca mais. Nunca te esqueci.

domingo, 11 de março de 2012

Estou agora pedindo perdão. Perdão por tudo que não fiz, perdão por tudo que nunca vou fazer. Perdão pela minha fraqueza e por todas as frustrações que te ponho pra carregar. Perdão pelo frio. Perdão por todo o tempo perdido e por tanto que te ignoro. Perdão por nunca dizer que te amo, por nunca te amar. Perdão pelo teu passado, perdão pelo teu futuro, pelo teu presente. Peço agora perdão pra mim mesma.

domingo, 4 de março de 2012

Monster

hate
death
hate
death

...punch!

It's a game. At the hate you jump, and when I death you hit your legs with the hands. If you fail you become the devil. And at the punch you protect. If I touch your chest, you become the devil too.

sábado, 3 de março de 2012

Você é como um nada corrente e branco na existência. Uma dor num membro inexistente. Eu vou correr até não ter mais pernas, vou correr e morrer e você não vai se mover um fragmento do meu tamanho. Comer minha fome e trucidar minha dor, florescer a pedra e atirar a flor. Pintar, desenhar, escrever, falar, respirar. Sinto hoje que estou morrendo. Ainda assim o nada corre em minhas veias e tendões, músculos e neurônios tensos. Carne, roupa e ossos. Sou também um nada. Sou você.