quinta-feira, 28 de junho de 2012

Pra Maria


Uma canção, Maria. Uma canção com forma de doce e cor de fumaça. Pra você esquecer a dor, Maria. Uma canção em abraço, no corpo de uma violinha besta. Uma canção de beijo e piada, como tirar o sapato ou tropeçar na escada, e de tristeza, se o cobertor é muito pequeno. Uma canção sem nota e sem pouso.
Pra te fazer bem, Maria. Só pra ser tua.

domingo, 24 de junho de 2012

Noite

Levanto os dedos miudamente tomando posse. Um por um, com uma força sonolenta, tento levantá-los do meu peito. Minha mão também é posse e toque. Os dedos que prendem meus dedos, prendem meu coração, apertam, cingem lentamente o precipitar avulso da agonia. Levanto um dedo após outro, fragilmente, para depois, um a um, agruparem-se de novo em mim, no meu rosto contraído, no meu interior, nas minhas lágrimas secas, nos meus dedos.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Doce


O sorriso, máscara que mostra o rosto de sanidade enevoada.
Danika parece normal. Sadia, como diria um alguém qualquer. Parece alguém que aproveita uma boa taça a lembrar de alguma vitória passada.
Seu rosto, que agora descansa seco e suave, parece satisfeito.
Os lábios, que receberam lágrimas de uma solidão imposta, receberam-nas em relutante revolta, e depois em paz, como destino que se sela, beijou suas lágrimas, então, e sorveu sua própria amargura.
A amargura de ter sua dor rejeitada, de ser excluída do sofrimento que à ela, mais que ninguém, cabia. Penar excruciante e duplamente solitário.
Sim, havia estado lá, nos últimos momentos, em contato direto de espírito e dor, mas não de carne. Ela, antes de todos, soube quando aconteceu. E agora não podia se aproximar, se despedir, desfazer-se de sua derradeira conexão com a mais importante parte de sua vida.
Parte das cinzas do que foi sangue e calor sossega plácida no açucareiro.
Danika meche o champanhe, sorve, sorri.



Persianas

Ela passa o dedo no sapato, no brilho apagado no sapato. Seu quarto reluz a luz que lhe falta. Seus olhos estão cansados, os dedos de pura seda de Regina são frios e tensos. Ela andou, olhou, virou-se e revirou-se dentro dos calafrios que a perseguiam num incessante jogo de incesto e ódio. Quis amar, Regina era uma menina. Uma contradição de inocência e loucura. Ela foi a limpar seu armário, lá dentro, no entanto, na escura limpeza do armário de Regina, havia revolta e perdição, havia a tristeza de todas as gerações, bichos inomináveis e o pouco mais que as letras não a ensinariam. E a lucidez da menina, cansada como a penumbra que repousa inerte na sacada de seus olhos, andou passo a passo para trás da cortina de seu quarto, que fazia o silêncio da tarde. No quarto, encolhida em seu vestido, Regina toca a luz de seus sapatos.