sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Me faz

Me faz assim, como uma boneca, me aveluda o rosto, fria porcelana, em rosados sorrisos e olhos imóveis. Me faz assim parada, criando silêncio e cultivando inexistências leves. Me move, devagar, me veste, me faz ser algo que se quer, que se tem. Me faz boneca de teus dias quietos, ansiosos. Me faz desejo mudo.

Te diverte, Luiza

Te diverte Luiza
te diverte que vai passar
não tapa teu sorriso
nem te acanha em falar
não tem medo em exagerar
nem te poupa demais
Te diverte o quanto sentir
e abraça sem pensar
faz coisas muito bobas
e te deixa parecer linda
sabes que a noite é longa ainda
mas a vida é muito mais

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Não me ameace
não me segure o braço
não vou deixar
num safanão sua imposição fura
me viro e te arranco as unhas
quero ver o quanto sua pressão dura
quando te encarar assim
vendo e desgostando
muda

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Os medos queimando no barro
O sumo negro escorrendo
Produto livre renegado
O cheiro acre do medo no ar
Entre cada olho fechado
A brecha que oscila e se insinua
Sem entretanto ser brusca
Os medos queimando no jarro
Só fazem respirá-los destilados
Pelas águas que não lavam as mãos

Para Nós

Pó de asa

Por vezes rezo que a noite caia por cima do sol
Passo o dia nesse anseio
Para voltar pra mim
Como um elástico à exaustão
Preciso pouco mais que um resto de sol pra lembrar
Que existe mais que isso
Com a escuridão do ar
Poder me abrir as portas
E logo depois fechar
Fazer mais uma vez um ninho
Pra um só

domingo, 25 de dezembro de 2011

Furador de papel

Dentre as milhares de bolinhas de papel em confete está uma. Nela tem um pedaço do teu nome e um pedaço do te amo. Não sei quem ou como conseguiram passar esse pedaço do meu coração pela brecha do furador de papel.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Diela

Algumas horas se convence de que o amor é pálido. Um ser que usa uma máscara quase igual ao rosto.
O vento é um bálsamo quente para seus olhos tristes. Ao olhar pela janela ela vê o viaduto. Fica olhando para ele. Pensa, o quanto gostaria de se abandonar na altura. Ela sente quase um alívio ao pensar essas coisas de desequilíbrio. Sempre acariciara suas insanidades, ela sabe quem é com elas. Sorri amargo testando, provando um pouco de cada perigo, de cada beirada, como passar os dedos pela chama de uma vela. Numa volta dessas, faria coisas que a fariam pensar mais tarde que teve coragem.
Como se fosse uma parte desconhecida dela, chove. O calor e a dor em sua cabeça, a falta de um real abandono, a estrada que não parece acabar, a secura em sua garganta e a vontade de se entregar às suas pequenas destruições, saborosas vitórias no seu ego. Ela olha. Se vê saindo, caminhando para a chuva, derrubando as coisas e recebendo-a silenciosamente. Desvia o olhar, mas em todo canto chove e o carro é enormemente minúsculo.
Essas partes dela, essas que afastam as pessoas. Justo as que a aproximam dela.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Abro espaço em letras para a luz. Junto as teias que me puxam de volta, uma massa vai se formando com as lagrimas que caem na poeira. Quem estiver do outro lado vai saber que essa luz vem daqui, daqui de onde é mais escuro, aqui onde o ar dá voltas mas sempre para em nossos pulmões. Nessas letras quero dizer pra mim mesma e para todo o nada que resta. Quero dizer o que não sei e apenas faço isso, coisas que a gente faz sem saber de onde. Se em meu passo trôpego derramo de meu copo o teor de meu estado, suponho que o pó que levanta cobre todo o resto que faltava. Nessa treva em que abri letras, espero que não desespere mais ninguém, por ter a luz tão em foco único. Se você vir, dê uma volta, espero te encontrar, poderemos respirar o mesmo ar uma vez, quem sabe entendamos.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Farta

Toda a carne e todo o sangue
são tão diferentes da pele macia
que eu conhecia
que nunca vi
Toda essa fome essa falta
que mata o que eu não tenho
me mata de saber
que não te tenho
A carne e o sangue
a falta e a morte
ninguém nunca sabe
são meu norte no momento
Desde que eu mate
corte a pele sangre alimente
e veja que enquanto morro
todo o resto se fode porque eu aguento
sinto
cada vez que escrevo
teu nome
o movimento
da lamina
em mim

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Vejo ele indo. E não sei se é um passado ou futuro. Em que tempo. Vejo ele se afastando, bem devagar, e cada segundo é como se eu tivesse acabado de notar. E ele vai indo, lentamente, pelo rio. Meu barco, com meus remos. Até eu perceber que só há o rio, e pensar se devo ir embora.
Você vai ficar.
Quando eu estiver longe, se conseguir te magoar do jeito que vou, quero saber que cumpri com a verdade. Pelo menos no fim.
Você vai ficar.
E vou te ver pelas costas, sabendo o quão errado vai parecer. O quão certo, se você vir.
Você vai ficar.
E quero ir o mais longe que puder, o mais rápido, com tudo o que tenho. Não te deixo nada.
E quando você ficar
Não olhe para mim, apenas acene, ou se vire, não leve nada. Me deixe também.

Quero cantar sozinho.

Quero cantar sozinho.
Esquecer, ou fingir
que o veneno
que escorre pela água
não existe.
Fechar os olhos um instante.
Ser tão sozinho
quanto sou.
Para Renan.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Tão novinha ainda meu deus! Dizem tanto isso. Dizem realmente muito. Mas ninguém entende. Tudo dá na mesma. Você já se perguntou o que te faz querer crer tanto que sabe mais que alguém? Mesmo quando é sobre ele mesmo?
Ok, pode tirar essa gravata vermelha agora. O chapéu também. Isso você tira se quiser. Já pode tirar essa fantasia que está usando na mente, eu já vi.
Sim, faz tempo que você crusou as linhas, faz tempo que você não sente nada ao crusar o que sobrou delas, tantas e tantas vezes. Quando a gente faz isso, seja para o que for, é irremediável, a gente sente na hora, geralmente como uma roupa muito vulgar que a gente se descobre usando. Mas eu vejo, todo mundo vê, você já passou disso.
Você tem um sorriso de quem não sabe se consegue ver a graça das coisas. Pode fazer seu papel, meu bem. Farei o meu.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Legs

You say
You wanna go
Go far away
Away from here

But I know
If I called you
Come with me
You would say no

Your love calls
Your life requires
I'm in the middle
Cover of lies

I'm your past
Your absent future
Your best wish
I am the last

I'm the missing second
On your memory
The time that
You met me

domingo, 4 de dezembro de 2011

Circo Negro

Quando eu era uma fagulha ainda, toda joelhos e cotovelos, me levaram no circo. O dia tinha sido cheio de coisas que a família não demonstraria em público, aquelas que existem mas todos escondem na frente da sociedade, então de noite me levaram ao circo pra certificar que eu não entendia nada e que não pensaria nisso.
Era um circo como nunca tinha chegado na cidade, e que, imagino, nunca mais chegará. Merecedor do nome, invergava imponentemente uma bandeira grande e preta, que a mim se pareciam com os brasões que aprendia a reconhecer, em suas três tendas médias e na tenda principal e maior de todas.
Me perguntavam coisas como se eu gostava de circo, palhaços, se eu estava animada, se estava achando bonito, se queria algodão ou amendoins. Outros, conhecidos ou não, diziam coisas como "Que menina bonita, tão quietinha!", felicitando meus responsáveis, mas sem manter o olhar sobre o meu por muito tempo.
Eu, como criança de olhos negros, me limitava a acenar sim ou não quando lembrava e observar.
Demorou bastante ainda para o show da noite começar, vimos os animais, taciturnos, vimos dançarinas, artistas, pessoas alegres e vendedores.
Os adultos juntavam-se a outros em conversas comuns e chatas e me deixavam andar por perto, confiavam-se na minha falta de demostrações de interesse. Dei algumas voltas já desinteressada, confessadamente cheia de tédio. Fui andando pelas laterais das tendas, cansada de desviar das pessoas, olhava as brechas e a grama que roçava os cantos da lona e meus sapatos. Em dado momento tive a impressão de ver um par incandescente de olhos, duas estrelas púrpuras numa meia face marrom parcamente iluminada. Não sei que partes do meu cérebro infantil se desativaram nesse momento, mas fiquei estática enquanto um chiado emergia na minha cabeça, como alguém pedindo silencio. Seja o que tenha sido, continuei andando e dando voltas até a hora do espetáculo.
Dentro da tenda principal outro mundo começou, cheio de brilhos, gritos, expectativas, desafios à crença e a indiferença. Coisas que já encantariam quase qualquer adulto maravilhavam as crianças, mesmo as mais velhas. Qualquer coisa que valia a pena viver, esquecer o dia inteiro, trocar pelo dia inteiro, pela vida inteira.
Tudo isso eu teria visto. Nunca mais eu teria esquecido. Seria essa minha grande memória de infância. Mas a magia que se instalou em minha memória foi outra. Tudo que eu me lembro daquela noite é ele. Eu o vi parado ao lado da entrada da tenda, embaixo da arquibancada, as faixas de seu corpo iluminadas pela luz do picadeiro. Aqueles olhos. Aqueles olhos que você lembrará para o resto da vida. Aquela escuridão em todo ele. Ali minha alma foi roubada para sempre.


Aquele beijo que você me deu. Sim, aquilo ainda arde em mim, mais do que meu disapontamento, sinto dizer. Seu cabelo curto nas minhas mãos, sua nuca me lembrando a curva do braço do violão. Seus olhos pintados serpenteiam ainda, evidentemente, zumbindo de um ouvido a outro em mim. O primeiro a sumir foi seu adeus. Você e sua sombra tornando-se vagamente um.
E quando você foi eu lembrei de tudo. Seu tempo difuso me fez esquecer, esqueci da alma do cheiro, da flor do hálito, da atenção, a felicidade focada em um sorriso. Voltei a te seguir, ainda que só por esse tempo.
Sim, sumiu seu adeus, você sumiu. No lugar ficou uma você de fotografias, e a última é de suas costas. Minha chuva.