terça-feira, 29 de maio de 2012

Catherine


-   Vou limpar esse lugar e você nem vai lembrar que isso existiu!

Os olhares determinados se cruzam. Mais uma vez.

-   Escute...
-   Não!
-   Escute! O que você está fazendo?! Você não pertence mais a mim?

Safanões, respirações.

-   Você deve estar brincando!
-   Não! Não estou! Isso acabou, já não conversamos à exaustão? Você sabe! Tire os olhos daí, já disse que vou me livrar delas! Você não entende?
-   Não, você não vai.
-   Sim! Isso...
-   Não. Helena, você não vai se livrar dessas fotografias.

“Não entendo! Sim, vou!”

-   Elas são lindas.

Rostos contraídos. “O que?”

-   São Arte.

Silêncio. Sempre entremeia silêncio. A sala, as fotografias por toda a mesa de centro, forrando o tapete, Helena de regata branca, pálida.

-   São mais fortes do que você jamais vai ser.

Nem uma única palavra cruza os lábios de Helena. O silêncio faz zumbidos nos ouvidos. “Mais fortes do que eu também, estão vivas, Helena!”

-   Lúcia!

“Seja digna, se ainda te restar. Não sei o que mais há de ser, não me pergunte.” Tudo quanto Lúcia diz, sem querer.

-   Ela vai à exposição.



http://www.meganmcisaac.com/view.php?id=3.%20renee%20lilley
Tudo isso não basta. Não aguento mais a dor, e não é uma circunstancial. 

segunda-feira, 28 de maio de 2012


De drogas amorfas
fel de pudor
cicuta inerte
dispor de armas
cru o peito
carne que apodrece
sabor mórbido
espasmos imberbes
Carrancas máscaras
alquimia pútrida
domínios impossíveis
de expurgar dor inata
sumo de ira plácida
filho morto
monstro ativo
já putrefata

domingo, 27 de maio de 2012

Arranca de mim
pura e suave besta
feroz carnificina de medo
quieto furor de vontade
Arranca de mim o silêncio
o atroz sangrar de vazio
todos desejos que fio
tremor de tranquilo enredo
Arranca de mim a verdade
que repousa mórbida sagrada
me dou de refúgio cansada
segregando meu primeiro segredo
Arranca, arranca de mim
de sorriso, fingir e abraço
de esgar e puro cansaço
o que adormece em simpatia
Arranca de mim a agonia
num só triscar de vista
traz tudo que resista
a ser fiel massacrado

quinta-feira, 24 de maio de 2012

preto branco cinza

Luz baixa, sombras, sombras e bestas em toda parte. Uma mente sombria de luz negra alimenta. Alimenta as sombras.
Na escuridão, terríveis monstros se dominam, o dia se dissipa da existência. Medo, existe uma garota lá, em algum lugar, ou existiu. Explosões de silêncio e sibilar de feras. Mentiras, medo, pequenas e grandes corrupções. Num esgar psicótico, a vida assemelha-se à um poço imundo, cru e disforme. Virar de olhos, cegueira da escuridão. Aquele demônio, mente ferina, conta toda a realidade sobre a mentira, sobre o veneno, sangra a carne de verdade. Os demônios só precisam falar a verdade. Pois tudo é mentira.

Se eu fosse sentenciada, você choraria, Luiza? Ou teria vergonha?
Quando chove frio, um todo em mim se encolhe, no fogo se desmancha. Meus olhos são tão vidro que o frio dá boas vindas. Os braços vazios o o espectro dos anos.
Quem escolhe essas coisas? Digo que escolhem.
Sinto muito.
Mas me diga, Luiza, você choraria?

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Uma tora de madeira empata o caminho. A mente caminha, envolta e gasta. Sandália gasta. Passo pra trás, cego. Estanque, balanço. A cabeça abre caminho na madeira tora. A tora ergue-se em evoluções monstruosas. Cabeça e corpo doem madeira adentro. Do outro lado sobra eco, fagulha e lasca. Assimetria de espinhos, farpas e pedaços de mente. A tora passa adiante, um elo entre os veios de inanição e eco. Do outro lado, junção de lixo, traste e pó a inundar a antiga mente. O tempo amontoa corpo e olhos. Nem mais luta, nem desistência, nem movimento. A inércia seca.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

De mordaça

Muzzles
Ando precisando de algo que não posso pedir. Nunca pediria, e, fazendo-o, não encaixaria mais na minha necessidade.
Preciso, de um jeito mudo.

Miriam se contorcia em sua dor de magreza. Fraca, fraca e tanta dor. Michael afasta o copo de perto dela e a olha sem saber o que fazer. Ela chora, sem lágrimas. Faz um barulhos estranhos e treme sua mão até o braço dele.
- Eu deixei ela ir! Eu deixei minha filha sem uma foto!
Michael agarra o pulso dela. Ela o olha nos olhos, do fundo de sua dor.
- Ela não vai lembrar que teve uma mãe, Michael!
Em baixo da mesa sua mão alisa e realisa um papel, uma fotografia.


terça-feira, 8 de maio de 2012

- Olha, essa peninha. Guardei desde aquele tempo. Ela colocou em mim em uma apresentação.
- Mas você só tinha... o que, cinco anos?
- Eu sei Camila. Não sei bem o que eu podia querer naquela idade. Deixa eu te apresentar. Ela era incrível sabe? Era uma fada pra mim. Imagine assim: uma linda jovem de cabelos claros brilhantes e cacheados, numa sala com grandes janelas iluminadas cheia de pinturas e panos coloridos, vestida numa mistura de fada e princesa, de rosas e dourados e glitter, e com olhos radiantes capazes de amansar o mais feroz dos animais.
- Parece lindo.
- E era. Ela nos adorava a todos, até as crianças mais abusadas, nos encantava com suas histórias e sua paciência. Eu tinha uma devoção por ela. Vibrava de felicidade quando ela prestava um pouco que fosse de atenção em mim. Ia dormir ansiosa e simplesmente adorava a hora de ir pra escola.
- Alguém chegou a perceber isso?
- Não sei, talvez ela tenha percebido, ou mamãe, mas devem ter tomado como coisa comum de criança, ou devoção mestre-pupilo, e talvez fosse mesmo. Eu fiquei num estado de desolação quando tivemos que passar de turma. As primeiras séries ficavam separadas das outras. E depois mudei de colégio. Não chegou a ser um trauma, mas eu sonhava que ela vinha me encontrar, um dia.
- Nossa, Dani... Quer dizer que esse foi seu primeiro amor?
- Não sei... Mas eu amo essa peninha mais do que pessoas que eu supostamente deveria amar.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A sica é preta e vermelha, e o azul dos pés dança, passo, passo.
Lágrima sangue se a sorrir levo embora, piso, passo.
De um lado é sombra, do outro é renda, pose, rodopio.
E os toques no chão
os toques macios
do vento que faço
Viro, fim.

domingo, 6 de maio de 2012

As estrias do vento no oceano. As costelas do corpo que amo. As costelas do mar. A pele suave e fluida do mar. Seios, veios, correntes navegadas pelo vento. O calor de frio de nadar. Lar azul no recanto de pele verde. Sem arrepio.
A gente olha para o mesmo ponto. Aquele na janela. A gente respira do mesmo jeito. A gente também sente o mesmo vácuo tendendo a buraco negro, bem ali.
Queria que já estivéssemos prontos. Queria mesmo. Os dois. Mas não estamos, ela tinha que ver. Ela não vê.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

ABANDONADO
E passavam por ele. Bateram na porta, bem de leve, não sabiam se tinha gente. Então viram o mato crescendo, as teias cobrindo, os entulhos largados e os rangidos cegos.
- Vem, vamos embora que isso tá assombrado.
Então continuou tiquetaqueando sozinho dentro do peito com o erro de diagnóstico.