sexta-feira, 26 de novembro de 2010

By Vinícius

"Só sei que sua casa é perto da minha infância."

     A casa do Arlequim é preta e branca: um lado do telhado é preto o outro é branco, um lado da casa é branco e o outro é preto.


          Já a do Coringa é colorida ao modo dos antigos palhaços e
    cuspidores de fogo.


                      Mas ambas são confusas.

Cartas para Geraldine Lespar XIV

     Vertigens internas. Deus meu! Bom, se eu estiver certa, acho que essa última carta deu mais a entender, ainda que implicitamente, a relação entre ela e Geraldine.

     Depois percebi que na carta anterior tem um nome que parece de cidade, “Courveneuve”. Revirei a idéia de começar a pesquisar a partir daí. Mas só depois de me curar, claro.

Cartas para Geraldine Lespar XIII

“ Até a primeira badalada
  Pertenço ao Sol

  Pertenço ao Brilho Final
  Até a segunda

 
  E depois

  Às Estrelas do Ar

 
  Porém na última badalada

  Onde tudo se encerra

 
  Perceberás que eu tão somente

  Pertenci a ti ”

Cartas para Geraldine Lespar XII


Por um momento me confundi sobre que gripe ela falava. Pela aparência, essa carta é uma das mais antigas do pacote e é estranho o tanto que é diferente da primeira que abri. Essas particularidades; ter pena, ser difícil, necessário, preparativos de Alina, “o Pombo”; me deixaram mais curiosa ainda. De qualquer forma, aí está a confirmação do que eu imaginava: S. B. é mesmo uma mulher.

A terceira carta, diferente das duas anteriores, eu não escolhi, ela que me escolheu. Tem uma florzinha esquisita desenhada no envelope, no lugar do destinatário. Dentro tinha apenas um papel diferente e pequeno, escrito com a mesma letra, mas de forma diferente.

Cartas para Geraldine Lespar XI

    
“ G.


     
   Passei a adorar as tardes de verão. Todas as chuvas me lembram você. A propósito, espero que tenhas melhorado da gripe.

      Mamãe fala-me constantemente sobre rapazes, os ‘partidos casáveis de Courveneuve’. Tenho pena dela. Também é uma pena; ela não teria pena alguma de mim, se soubesse.

     É tão difícil! Diga-me que sentes o mesmo! Quase não suporto. Apenas o faço porque sei que é necessário. Mas me desgosta muito que seja. Perdoe-me a brevidade desta carta, não tenho muita folga nos preparativos de Alina

     P.S.: Desculpe a demora, o Pombo esteve ocupado.
    
 S.B."

Cartas para Geraldine Lespar X


Já completava um mês que eu estava no apartamento. Veio o inverno por essa data e, como de costume, peguei uma gripe assustadora, tenho, desde pequena, uma certa tendência à inflamações. Não foi muito favorável entrar em licença médica na primeira semana de trabalho, mas não tive escolha, não pude nem sair do apartamento, ou do colchão. Acho que não preciso dizer que abri mais uma carta, duas na verdade.

Cartas para Geraldine Lespar IX


Não chegou mais nenhuma carta. No primeiro final de semana após a correria, foi só no que consegui pensar. A carta aberta ainda estava em cima da caixa, eu passava horas olhando para ela ou relendo-a..

Cheguei uma vez a sonhar, e foi uma coisa muitíssimo estranha, sonhei com S. B., não me pergunte como, mas eu sei que era. Foi um sonho aflitivo e íntimo demais para uma figura que eu nunca vi. Mas teve um particular: no meu sonho, S. B. era mulher. Passei quase três dias seguidos pensando nisso. Quer dizer, por que será que eu imaginei assim, se é que eu imaginei? será que foi pela forma da escrita, o que quer que isso seja? será que S. B. é mesmo mulher? será que é como foi no meu sonho? e outra coisa, por que cargas d’água eu estou tão envolvida com isso? Reli mais algumas vezes a carta, mas não encontrei nenhuma indicação parcial. De qualquer forma, depois disso não consegui pensar em S. B. como qualquer outra coisa senão como uma mulher

sábado, 13 de novembro de 2010


"Tell then
I am
I was"
– Como é o hiato da memória de uma casa onde o morador nunca nasceu?
– É do jeito que o vento enrola pra dar a penúltima volta. Tem cheiro de madeira-pedra e cor de azul-castanholas; tem noites que nele há brinquedos, tem noites que nele há segredos, mas só podes vê-lo à tarde na beira do primeiro crepúsculo

Calyx

   Dark is the Night
   And numb is the wind
The Dark makes so noise
As the Silence does
   Just she’s at the window
Of some Nightly Tree
        And blue goes the Tree
        And blue goes her
The Pallid Blue of her eyes
On the darkness
Wavers as the Candle does –
With a hesitant – fearful – breath –
             Extinguish

Dandelion

Tão bonita e bailarina ia a menina, primavera de todo, algumas datas somente, plena de rosas e dourados. Rodopiava em ventanias e algo como dentes-de-leão, de um jeito sem depois, até sumir-se poente no horizonte.

Querido Zarot

Querido Zarot,

Hoje eu fiz uma coisa feia. Os meninos Zeff me viram com raiva do Barto e acharam que eu tinha derramado tinta no caderno dele. Não fui eu, mas eu não disse nada e eles me chamaram para andar com eles. Todos tem medo deles e eles me chamaram pra ir junto, e eu fui. Fomos no terreno, fizemos coisas bem bobas e conversamos, e passeamos pela rua. Aí o Zeff encontrou o Cato, que é doente. Ninguém sabe o que ele tem, mas ele é muito magro e a mãe dele não deixa ele jogar na rua. O Zeff riu e falou da irmã dele e o Cato não disse nada, ficou com cara de quem ia chorar mas se segurou. Todos riram do que o Zeff disse, e eu também, mas quando eu olhei pro Cato, fiquei sem saber se isso era certo fazer. Foi aí que o Zeff falou:
– Ei guri! É, você. Não foi você que riscou o caderno do vermelho do Barto? Vem cá.
Aí eu fui e ele riu mais do Cato e disse:
– O que você acha guri? Esse magrela não é nojento? Vamos diga, o que você acha?
O menino olhou pra mim com muita raiva, mas eu falei. Eu falei coisas feias da família dele, que eu nem conheço, e todos riram muito. O Zeff também riu e gostou do que eu disse. Fomos embora depois do Zeff chutar o Cato e deixar ele no chão, chorando. Sabe Zarot, eu ainda não entendia o que eu estava sentindo, mas alguma coisa não estava bem.
De tarde, na aula, a Senhorita Margot falou sobre uma guerra que aconteceu, e eu só comecei a prestar atenção mesmo na parte dos soldados. Ela falou que o líder mandava e os soldados entravam na casa das famílias que eram de uma religião que eles achavam errada, e quebravam tudo e machucavam as pessoas e levavam até as crianças. Ela também contou que tinha umas cartas de um soldado, não lembro o nome, onde ele disse que ficava muito triste pelas famílias e não gostava de fazer aquelas coisas porque ele não entendia por que aquelas famílias eram diferentes da dele.

Aí eu entendi. Eu fiz a mesma coisa que os soldados.

Mrs. Johnasson

I don’t like who you are now, Mrs. Johnasson.

Why don’t you say something about this?

I dreamed of you, Mrs. Johnasson.

And in this dream, you died.

But you know this, don’t you, Mrs. Johnasson?
Se os cinco fragmentos do teu
sonho tornarem-se sete
Vira-te por inteiro para o lado
onde nasceste e recolhe teus imperdícios
Quando todos os inúteis que
te impuseram te repudiarem
Ama a ti mesmo e à viagem
e busca as estrelas que puderes recolher
*
...
Sinta-me
Sinta-me ainda que eu não habite teus pensamentos
Sinta-me nos momentos mais serenos e inesperados
Sinta-me na tua pele e no teu sono
Sinta-me no final de um sorriso e na ponta de uma brisa
Sinta-me na curva de uma lembrança ou em qualquer outra coisa
Sinta-me ainda que tua vida seja por demais extensa para minha essência
Mesmo que por um momento
Mesmo que por uma vez
Sinta-me

Incoerente

Um absoluto resoluto
por si só entrávico e intransigente
se aboleta na mente oca
e lá se queda
Incoerente

HWA

Ele disse “Estou apaixonado por você”. Disse isso de chofre, por ciúme e medo.
Ela, qual borboleta, quedou hirta, disse “Tenho que ir” quase inaudível e o deixou sozinho pra nunca mais.
O que redime sua mente é que ela sabe que, talvez por isso, jamais poderá amar alguém.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Torvelinho Dia e Noite [trecho]

(...) - E o senhor vem numa boa época - disse Dr. Gumercindo. - Vê como a cidade está bonita, com flores se abrindo por toda parte?
- O senhor vai gostar Sr. Abreuciano. A cidade mudou muito, e quase que de repente, não foi, doutor? As pessoas ficaram mais simpáticas. Até os fregueses ranzinzas, reclamadores, agora me tratam diferente. Estamos muito felizes - disse o Sr. Jamil.
O senhor Abreuciano havia notado uma mudança para melhor em tudo, inclusive nas pessoas. Era a recompensa que as forças invisíveis estavam dando aos torvelinhenses por tudo o que eles haviam sofrido.
- O senhor falou em forças invisíveis. Que forças? – indagou Jamil
O Sr. Abreuciano explicou que forças invisíveis era como ele chamava os aliados que a gente tem mas não vê, e no entanto nos rodeiam e nos governam. Às vezes parece que eles nos abandonaram, mas deve ser por estarem ocupados com outros deveres.
- O senhor é religioso? – perguntou Jamil.
Abreuciano opinou que todos somos religiosos, cada um a seu modo. Vivemos cercados de mistérios que a inteligência não penetra, e o único jeito de convivemos com eles é atreves de rituais que podem ser até muito simples, contanto que indiquem o nosso reconhecimento de que vivemos no escuro e precisamos de intuição, de toques, para evitar colisões perigosas.
Todos ficaram pensativos, digerindo a dissertação. Por fim, Dr. Gumercindo indagou:
- Essas forças invisíveis, o senhor já teve algum contato com elas? Quero dizer, já teve algum sinal indiscutível da existência delas? Como é que elas se manifestam?
O Sr. Abreuciano, que estava encostado no balcão, de pernas cruzadas, cruzou os braços também, e disse pensadamente que a maioria das pessoas se contenta com ver só a parte do mundo que lhes é imediata. Outras, mais curiosas, olham mais longe e mais fundo e assim ampliam o campo de conhecimento e conseguem perceber coisas que a maioria não percebe. Ele achava que nem sempre foi assim: os homens antigos viam o mundo em sua totalidade e participavam dele totalmente. A partir de certa época, alguns homens foram se embaraçando em assuntos menores e com isso perdendo a capacidade de visão. Como o domínio desses assuntos menores dava aos que se concentravam nele uma ilusão de poder, essas pessoas passaram a ser invejadas, e consequentemente imitadas, e se tornaram a maioria. Os poucos que recusaram a ilusão de poder e se mantiveram ligados, conseguiram transmitir a alguns o interesse pelo mundo total, mas aí já era uma minoria excêntrica e marginalizada. Até esses excêntricos, também chamados de místicos, isto é, os que frequentam as zonas do mundo onde a maioria não se aventura, seja por medo ou por não saber como, são olhados com um misto de desprezo e inveja, racionalizada na velha filosofia de poder, que foi a causadora da separação inicial.
Novo silencio todo mundo pensando. Até que Dr. Gumercindo arriscou um comentário:
- Isso é que eu não entendo. Se eu tivesse um amigo... místico, eu ia tratá-lo na palma da mão, ia querer aprender com ele como é que se atravessa a fronteira para o mundo invisível.
Para o Sr. Abreuciano isso indicava que Dr. Gumercindo tinha parentesco com os místicos; porque a maioria reage nesse assunto como um pobre lavrador reage contra a pessoa ou animal que fareje o seu cercado. O mundinho de cada um é o seu cercado, aquele espaço que ele ocupou e amansou a duras penas, e tudo que destoa dele é visto como uma ameaça. Por isso é que a vida dos místicos é dificultosa. A faculdade deles de ver além é na verdade uma condenação. Eles precisam olhar muito onde pisam pra não levar chumbo. Ninguém quer ser invadido.”

Elma


Era uma menininha pequena. Os irmãos que já sabiam andar estavam lá. Todos estavam jogando queimado numa sala, a sala de “hotel” como era chamada a sala dos almoços de domingo na casa da madrinha, e ela foi queimada. Eles não podiam jogar a bola muito alto por causa do teto, os mais velhos sempre pegavam. Ela era a menorzinha e arrastou e subiu numa das mesas do canto para poder pegá-la. Os mais velhos, que teriam dez ou onze, deixaram, era brincadeira. E nessa brincadeira ela se foi. A menininha traquina de seis anos, rostinho um tanto arredondado e moreno, nariz arrebitado e cabelos escuros, nunca cresceu. Os irmãos só escutaram o baque e viram a mesa virada e ela chorando no chão. Levaram bronca e foram para casa, tentando fazê-la parar de chorar para não levarem mais bronca. Ela continuou choramingando, enquanto a mãe dava-lhe um banho no quintal, dizendo que estava com sono, e depois dormiu. Quando acordou cuspia sangue. Foram chamar um médico, que ficava longe nesse tempo. O tal passou um comprimido apenas, sem nem ir vê-la. O pai, quando foi localizado, não estava sóbrio o suficiente para providenciar algo. Ela foi levada ao hospital de uma cidade vizinha.
Lá, a menina que tinha o mesmo nome que teria, algum tempo depois, uma de suas irmãs que também viria a morrer, morreu à meia-noite, deixando uma última imagem do seu corpinho pequeno embrulhado na cama para a irmã de apenas nove anos que a acompanhou até o hospital.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

By Animemark

HOUSE

Velha casa. Pinheiro antigo e escuro inclinado à esquerda no estreito jardim, à sua frente o muro e o portão de grade, atrás a fachada da casa. Lixo e mato. Casa marrom, bege, escura e suja. Janelas embaçadas e quebradas. A porta emperra nas pedras do chão. Entra na casa. Sem lâmpadas, sem móveis. O mato cresce também por dentro, quebrando o chão. Paredes manchadas e mofadas. Não fosse o resto de luz do dia, não se enxergaria nada. Ruídos pelas paredes. Duas portas velhas, sem maçanetas, com a madeira e a tinta saltando em lascas marrons. Vai até uma. A dobradiça de cima quebra, a porta se inclina. Abre. Dentro, uma cama de metal muito enferrujado com um colchão fino e rasgado e penas em cima; um banco de madeira liso e roído; bolo de aranhas no canto da parede; uma pia pequena; embaixo, flores pequenas e amarelas num tufo de mato mais alto. Vai até a janela. O quintal, igual ao jardim, mas com uma mesa e três cadeiras de metal brancas, cobertas de mato, fixas em cima de uma área de blocos de pedras quebradas. Lagartos, aranhas e caramujos por toda parte. Volta. Sai do quarto. Abre a outra porta. Vazio, exceto por um resto de colchão no canto da parede com três gatos em cima. Uma porta semelhante. Abre-a. Uma pia rachada; canos quebrados e vazios saindo da parede e uma banheira de quatro pés. Dentro, um filhote de gato imóvel e uma peça de roupa velha. Um pedaço grande de espelho na parede. Vai até ele. Apenas as paredes.

Alvorada

Se eu tivesse um pouco mais de nada eu faria um relógio ou outra coisa que não valha qualquer pedaço de pena e ninguém me assistiria quantas vezes fosse tarde

Sintomaticamente esperando não se faça nada enquanto não passar do medo e o que quer que venha depois suma num fragmento de casulo

sábado, 4 de setembro de 2010

Leaves

You’re leaving
The Everything says
And the voice echoes on my lips
    Wind says: “Bye… Sweet way to all grief!…”

Don’t told untold futures
Aren’t safe
As the same way the snow melts
   Leaves whisper: “Shhhh, don’t say anything, leave…”

Descoisa

Ando muito cansado disso tudo
Disso nada
Todo esse tempo (des)gasto
Todo esse destempo
De todo esse corpo
Ando querendo dar um tempo no tempo
Dar um destudo nesse nada
(des)cansar esse tudo
Ou qualquer outra coisa assim.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Achaste minha casa, enfim, não? Sim, sim, venha, entre, está frio aí. Melhor heim? Vamos sente-se. Claro, em qualquer uma dessas. Que traços bonitos tens, teus olhos, sim, sabes que os olhos mostram a essência de cada pessoa? Hum. Ah, sim, reparaste, hã? Não é organizada, ou limpa, quanto a tua própria casa mas creio que é muito mais colorida, não? Mas ainda estás com essas malas? Dê-me cá. Espere só um instante. Pronto, depois te mostro onde as coloquei. Mas o que dizias? A casa, sim. Sabes, é impressionante o tanto de histórias que guardam as casas... Ali, naquele canto, imaginas, um garotinho, tem seus dez anos, vês? Ele e sua mãe chegaram hoje nesta casa, moravam longe antes. Antes de quê? Bem, antes de qualquer coisa. Vês? Ele sentado no chão, alguns discos no seu colo, sua mãe despenteada tentando achar alguma coisa. Ele olha para a janela. Sabe, ele sente-se cansado, sente um vazio enorme e apertado no peito, sente falta de como quer que tenha sido antes, não que fosse bom, apenas era conhecido. Ele olha o céu, essas mesmas estrelas, e uma chuva como esta de agora. Pois é, está chovendo. Também não percebi. Queres um cobertor? Ora, se precisa! Vou pegar um para mim então, divides ele comigo. Aqui, toma, cobre-te. Mas me diz, por que o garoto não fala para a mãe o que vai dentro? Bom... eu não sei. Talvez ela saiba o que vai nele, talvez seja parecido com o que vai nela. Talvez ela esteja muito ocupada. Talvez ela não esteja podendo ouvir, ela nem reparou na chuva. Ou talvez ele esteja confuso ou triste demais, o vazio pode ter tomado suas palavras ou seu ânimo. Quem sabe? ... Viu? Aquele vulto que passou correndo? Vês ali, agora a cabeçinha loira é a única coisa que dá para distinguir da criança. Ali no meio, numa mesa velha, um homem e uma mulher, um casal. A lâmpada acima da mesa ilumina mal e eles comem algo frugal mas quente. Espera um minuto... Biscoitos! Já volto. Aqui, quase passaram do ponto. Pega alguns, assim te esquentam as mãos. Então, alguma coisa no clima está diferente. A mulher está apreensiva com o que tem a contar. Ele nem percebe nada. Ela para de comer e chama a atenção dele. Ele para e olha. E ela lhe conta, com esperança e nervosismo nos olhos, que está esperando outro filho. Sabes, essas coisas acontecem, mas o momento não é nada bom e ela sabe, tem medo de como ele vai reagir. Ele ainda está parado a olhar. Ela já pensa em repetir o que disse quando ele se levanta chorando e sorrindo e a abraça. A essa altura a menininha está aninhada embaixo da mesa, dormindo. Vem, estás bocejando, também estou com sono. Podes dormir onde quiseres, tuas malas pus ali no corredor, de frente pra todas as portas. Se precisares de algo, chames, ainda demoro a pegar no sono.

Nic

VERDE SINTO DENTRO
QUANDO FICO VERSO
SENTO FIRMO INTEIRO
POSTO RECOMEÇO


PENSO VENTO CHEIO
SE ADENTRO PEÇO
ACHO FINO MEIO
CURSO ATRAVESSO


SUJO QUANTO ACENO
FALTA PENO IMERSO
MIRO CONTRA PONDO
NADA CONTRAVERSO

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Deuil

Enquanto jardins
floriam
Pessoas eram
mortas
E outras eram
frias
Enquanto amores
nasciam
Pessoas eram
tragadas
E outras eram
Vazias

Ao besourinho amigo

Tonico, em seu casco preto, pequetinho e rotaroto, correu entre pés cegos e, mui veloz e agilidoso, contornou fendas e buracos de pregos.
Mas sua sorte, oh sina de cão!* que sombra lhe apresentou! Em dado momento, duvidou a direção e um sapato o esmagou!
Ele esticou as patinhas, em seus últimos instantes, deu um breve gemido e, já escuro, caiu combalido, dando adeus a seu casquinho errante.
Oh Tonico! Que eras tu então,       
Se não mais um perdido                    
Das almas que neste mundo vão?


(*Pardon cachorros e outros lupinos, é apenas força de expressão)

Dona Zuleide já foi jovem.                                                   E ainda o é.
Dona Zuleide já foi Zuzu.                                                     E ainda o é.
Dona Zuleide já foi filha.                                                      E ainda o é.
Dona Zuleide já foi banguela.                                    E, bom, ainda o é.

Pardon, Leminski

Todo diário falha

um diamesâno
igualha
Em uma brisa verde, em alguma recanto entre os olhos, vi passar uma Borboleta, branca como o infinito, serena e dança como um século-segundo. E ela passou em silêncio.
    E se(u) branco voo silêncio tudo (alu)disse..
Minha pedra
Cá dentro rola
Pedregulho de nada
Sozinho amola
A pedrinha ninha
Tanto mais rola
Mais falta
Velha e sozinha

16:00

Foi a hora de te deixar. Aquela hora e nenhuma outra.

Há uma falha nisso. O tempo não para por mim.


16:01
Mudei de idéia.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Ca-ma-le-ão
Uma cor agora
Outrora não

Cartas para Geraldine Lespar VIII


Até por que outras coisas ocuparam minha cabeça. Havia conseguido um emprego, não muito bom, de fato, mas com um salário agradável e em bom tempo, pois meu dinheiro estava pelas últimas. Mais um pouco de tempo e eu poderia alugar o apartamento.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O fogo queimando
Lento lento lento
Até encerrar-se (apagar-se)
O meu batimento

Crash

Um balé na beira do precipício

Faróis, bambos e carcaças

Triste escuro assiste

Todo o horror transpassa

Estilo "Men In Trees"

Olá Elmo! Eu estava aqui conversando com meu amigo Patrick: Às vezes temos "pressentimentos", sensações inexplicaveis sobre pessoas de que gostamos ou que nem conhecemos. Mas eu me pergunto, Elmo, como será que essas "ligações" funcionam? Será que sempre funcionam? E o contrário, será que basta chamar para alguém ouvir?

segunda-feira, 26 de abril de 2010

COMUNICADO:

Comunico a todos (Maria Williane e meia dúzia de gato pingado), por meio desta, o encerramento deste blog, previsto para data não tão próxima.
Dona do blog.

Tic

O tempo-lembro-te,
Assíduo visitador das horas,
Faz correrem arrepios
Nas costas de nós senhoras
Lembrando-nos sempre
Que todos vamos embora

Espantalho


De que adiantam os lápis
Se o próprio cérebro é falho
Se morro de coragens e medo
Se o sozinho é o triste e o triste é talho
Se tudo falho e tudo borro
Se borro a vida de que valho
Se gasto tudo e tudo atraio
Eu, cada vez mais,
Espantalho

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Brisa

As pobres senhoras castas, miram o terço. Mas vingam o vinho, dançam na chuva, sem sapatos, e podem sorrir com sinceridade, em seus sonhos de buracos de agulha.

Dialogue

  - They say that has always a blue sky behind the dark clouds... Beautifull, don't you think?
  - Well, I prefer the clouds... What? What can I do? Too blue skies blind me.

About Bees

According to all know laws of aviation, there is no way that a bee should be able to fly.
Its wings are too small to get its fat little body of the ground.
The bee, of course, flies anyway.
Because bees don't care what humans think is impossible.


De acordo com as leis da aviação, uma abelha não deveria voar de maneira alguma.
Suas asas são pequenas demais para levantar seu corpo gordinho do chão.
Mas a abelha, é claro, voa assim mesmo.
Porque as abelhas não dão a mínima para o que os humanos acham impossível.

(Extraído de "Bee Movie")

quarta-feira, 14 de abril de 2010


Entre uma borboleta
e um pirilampo
(Libélula)



Eu tenho flores nas mãos
Eu pinto flores nos versos
Corro léguas numa estrofe
Entre incertos passos certos

Furta-cor são os meus verbos
Negros... Brancos... Esmeros!
Jogo sementes na terra
Florescem nas luzes da aurora

Curvada sobre o papel
Transcrevo em trechos e prosa
O cantarolar dos sonhos
D'uma meninice formosa

Cobrindo de suor minha testa
Forrando de tinta as minhas mãos
Perder-me-ei no passear da vida sobre a janela

Andarilhos voadores inspiram o gentil poetar
Escuto o conto das histórias pela sombra das árvores
Tento brincar com o lápis e o papel

A brisa então parece virar vento
O vento se espreguiça...
Quero transcorrer o sorriso das montanhas e o cintilar das estrelas

Quero ter a doçura da ninfa
E as asas que ela ganha ao crescer

Mas, porquanto, espero
Num calmo sorriso
Enquanto o sinal está vermelho
E um senhor cochila ao mirar seu próprio umbigo
                        [(em plena rua principal!)


Já não trago mais flores nas mãos...
            Guardei todas nos bolsos!


Geibson Emanuel
Raíssa Guedes
Maria Williane

About Boddah

Boddah is the vibration of my bass. Boddah never found the sun, the good sun, but he was sad because this. The life to him is a miracle, a sweet miracle that he wishes to keep. He is a lonely boy in his world, he’s just a pure young man… and he’s fool, very, very fool, because Boddah… well… he never learned how to make a kite or his own balloon and he never learned how to say goodbye for me… Do you know? I hate Boddah! But I love him, so much. Boddah doesn’t cry in my mind, he ever, ever, ever, ever, make me smiles, make me to live. Maybe he doesn’t really exist. Maybe he exists for me. My Boddah! And I… I’m him little shine or, sometimes, I’m him little blue, even if he doesn’t agree.


G.B.

NOTA:


O amor tem muito mais a ver com trens do que com rosas.

 
 
Ando solitariamente nos vãos de casa e, ainda que faça muitos séculos, escuto teus sussurros simultâneos...

Uhuuhuu...
Shhhhhh...

E todos se calam, as estantes, as cadeiras, os tapetes, as frutas e a mocinha nos quadros. Só o tempo rui e tiquetaqueia dentro da caixa do relógio.

***

       O mesmo tempo que tomei por domado há muitos invernos atrás e que, agora, se mostra um corcel bruto e selvagem diante de mim. As paredes são testemunhas de que mal posso me cuidar e por isso, num tombo ou n’outro, elas me servem de apoio para que eu possa chegar a meu destino. Dou conta de minha incompetência diária enquanto sou consciente dela, mas aqui não há mais do que coisas frias por mim.

       O dia é suportável, já foi melhor, todos sabem, de qualquer forma ainda estou bem enquanto há luz natural invadindo minhas velhas janelas, mas quando o céu começa a enrubescer, anunciando a chegada da escuridão noturna, o frio percorre minha espinha o medo invade meus olhos e eu não sei mais onde é seguro. Na verdade eu nunca soube, não é?

       Foste-me inútil em tudo o que era bom, se queres saber, e não servistes nem a si próprio, para o mal que um dia foi teu desejo. Teu veneno apenas feriu meu corpo, mas te corroeu por completo, e eu, ainda que louca, tenho algo que valha a pena: meu passado. Tudo que veio antes de tua imundice, e se me permito, ainda poderei ter sonhos, não hoje, não agora, mas sei que um dia. No entanto tu, desde a infância eras um porco pútrido, que hoje sei e que teus genitores sempre souberam e até que foram precavidos ao se livrarem do teu peso. Nem semente aproveitável de ti saiu e o primeiro a ser morto por tua criatura monstruosa foi tu mesmo.

       És um infame. Sempre foste. Estou morta desde a primeira vez que fitei-te nos olhos.



By Señora Dias,
entre outros

Red Dress

I dance around the demons
Feeling the fire flames on my feet
Red ribbons in the illusion seasons
The masked ball always being the same
                                                  
The fiend’s guffaws framing the fear
I spin round in the burning dance
The nightmare’s furnace
With my inside out turned eyes closed
                                                  
Discover insanities out of a madhouse’s space
Deceive the goodness and to be just soul
Deceive the evil and to be between the souls
My own madness in my exhilarated face

Windfell

To feel lonely is to... swim in dark... is to want from heart something touches your chest, something that holds you when you have just your legs to hold.
And something that makes you don’t forget the heat of your own body… something that makes you remember your little life drop… your golden wings. (or not)

By Mrs. Yea and Mrs. Nay

domingo, 11 de abril de 2010

Miss... Ani


Ani... Carolina                      
Metamorfoseou nas cores        
Numa transfiguração lírica      
Entre carne, espírito e Tempo 
Ampliou os sentidos               
E navegou no verso                
Como quem ama                    
Sentiu...                              
Gritou...                              
Clamou...                             
Dê-me o espírito das palavras   
Da Ani(mação)                       
Do eu como pessoa                
De pessoa como eu...            
                                                     
02-abr-09/Cidade das Estrelas
Edy Ruan e Doutor X             


sábado, 3 de abril de 2010

Marie

Marie subiu as escadas da porta de trás da casa dos Maguinne, pensando. Havia encontrado com Marde no caminho de volta, e este lhe dissera bom dia, mas um bom dia muito cordial e severo, tão frio que seus dentes quase bateram ao ouvi-lo, algo incrivelmente estranho ao jeito daquele moço tão descontraído e brincalhão que era o seu amigo. Porém Marde também costuma mudar de humor com muita facilidade, era muito sensível.
No vendeiro, enquanto comprava o que lhe pedira a madame, escutou a conversa entre umas senhoras e senhoritas.
– Estão sabendo da novidade?
– Que Margarida Desley foi posta pra fora de casa? Uma tragédia!
– Também, aquela despudorada, estava conversando a sós com o filho do marceneiro.
– Mas me diga, como é que sabem, se estavam só os dois
– Não, não, essa já é antiga. Estou falando da visita do Duque de Mountarkent ao palácio.
– O Magno?
– Sim, ele mesmo! Dizem que virá com todo seu cortejo de homens do Rei de Mountarkent.
– Fala-se que o homem é tão santificado que, quando ele passa, tilintam e caem sobre os ladrilhos brilhantes moedas de ouro.
– Ora! Moedas de ouro?
– Sim, e por onde ele pisa ficam pétalas e leves plumas.
– Ohh!
Marie assustou-se com aquela história. Será mesmo que existia um ser humano tão extraordinário? Imagine só, moedas rolando e plumas coloridas flutuando! Era coisa difícil de se acreditar. Mas a cabecinha inocente de Marie chegou a imaginá-lo mesmo, quase como uma criança. Se bem que pouco diferiam, ela e as crianças de sagacidade mediana, nesse aspecto.
E foi sobre esse duque que falou com a filha de Dorothy, uma das empregadas dos Maguinne, sua pequena amiga Diana.
Diana pensava ser muito pouco provável ou bonita essa estória, não que ela mesma não fosse romântica, mas achava terrível como as outras senhoras, e Marie também, eram ridiculamente crédulas.
A chegada do duque provou como Diana estava mais perto da verdade. O Magno veio com um grande e suntuoso cortejo, homens e cavalos com plumosos adornos e, à sua passagem, alguns de seus homens lançavam moedas para mostrar ao povo como não precisavam delas em absoluto, ou como caridade talvez, e passada a caravana o que restava no chão eram apenas as plumas das ricas vestimentas.

domingo, 21 de março de 2010

"LOUCURA
Por Kahlil Gibran

Me perguntas como me tornei um louco.
Foi assim:


Loucura

Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras haviam sido roubadas: as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas. Corri sem máscara pelas ruas cheias de gente, gritando:

'Ladrões, ladrões. Malditos ladrões!'

Homens e mulheres riam de mim e alguns corriam com medo para suas casas.

Quando cheguei à praça do mercado, um menino trepado no telhado de uma casa gritou:

'Você é um louco!'

Olhei para cima para vê-lo. O sol brilhou pela primeira vez em meu rosto descoberto. Pela primeira vez o sol beijava meu rosto nu, e minha alma se encheu de amor pelo sol, e nunca mais desejei usar máscaras.

Assim me tornei um louco. E encontrei tanto liberdade como segurança em minha própria loucura. A liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido. Pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.


Alguém aqui tem algo a declarar a respeito da sua loucura?"

"Eu, diapócus"[4]

Os que são ricos não são realmente ricos
Morais à parte
Os que têm dinheiro e são ricos não esbanjam ter dinheiro
Os que têm dinheiro e esbanjam tê-lo
Não são ricos
Mas, como é fácil saber das coisas quando se é ignorante
Mas, como é fácil ser ignorante quando se sabe das coisas

"Eu, diapócus"[3]

Tenho os olhos azuis
Cabelos presos
Barriga grande
Pernas tortas
E sapatos azuis

Não sei por que os cachorros não olham para o céu

Cabelos, por virem da cabeça, são incrivelmente simbólicos

Tenho estomago de pássaro, um pássaro que come ferrugem

Tenho pernas tortas

Nem sempre sei onde andam meus pés

"Eu, diapócus"[2]

De fato, não sabes quem sou
De fato, não te mostrei
De fato, também não sei

"Eu, diapócus"[1]

Enquanto este mundo transpira tempo gasto e empregos
Eu inspiro idéias e ar
E suspiro sonhos em um cobertor

Enquanto este mundo transpira prazos
Eu inspiro vento
E suspiro sussurros

Enquanto este mundo transpira tempo
Eu inspiro tempo
E suspiro tempo

Enquanto este mundo transpira
Eu inspiro
E suspiro

Adam Carrel

Havia muita gente na casa naquela tarde. Quase todos os tios, primos, amigos e parentes de todos os graus estavam espalhados pelas salas, jardim, cozinha, quartos e até banheiros. Crianças já haviam sido acomodadas em camas, algumas eu nem conhecia. Mas a desordem não era tão grande, uma vez que a casa não era pequena e que parte dos convidados não se conhecia, o que levava a formarem-se alguns grupos distintos.


No meio de tanta gente havia esquecido de Adam. Até que Vincent, meu sobrinho mais carinhoso, o trouxe pela mão da varanda isolada porque não iria deixar ele lá sozinho. Adam Carrel estivera chorando e Vincent sabia disso, e eu também. Meu sobrinho gostava muito de Adam, meu mais novo amigo-mais-chegado, ao contrário de sua irmã Meggan, que achava-o pouco atrativo e muito taciturno, ainda que ela não soubesse essa ultima palavra.

Tremel


         Tremeluzentes, escuros e apagadiços como as lembranças, voam os pássaros e agitam-se imóveis os galhos da árvore, no passo que me vou, e abandono minha memória ao vento inquieto com todas as suas partículas de poeira que um dia tocaram minha pele e adentraram meus pulmões.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Contradizices[5]












Se te fosses
Eu foria










Caminho

Então, arrumei minhas malas
Despedi-me dos amigos e parentes
Deixei com alguns o que não poderia leva
Livrei-me de embalagens, telefones
Datas, prudências, mágoas
Entre tantas outras tralhas que não serviriam
                                           E saí
Sem saber o que ainda estaria levando
O peso do deixado
Mais leve do que o da ansiedade do trajeto
Fui como quem já sabe pra onde
Mas só sabia que estava indo
Acabando por não chegar em lugar nenhum
                                 Ou em vários deles

Febre

Vários talhos na palma da mão. Pequenos e profundos, vários deles. De folhas que segurei enquanto caminhava. De espinhos escondidos. Talhos da minha faca. Difícil aprender o pôr da luva. A menos que corte-lhe os dedos. De vento. Talhos de velho.

Febre

Um que (aunque) tempos antes se afastava do que de alguma forma fazia mal, ou só talvez, agora retorna braços abertos à lamina e ao aço, sua gelidez atrai como uma sede. Inevitáveis e viciantes cortes, profundos ou não.

Urihi (''Primeira coisa; as árvores vivem'')



Todos os espíritos sussurravam  
Árvores chiavam e sopravam  
    Mananga pegou o punhal
    De todos os fortes
Todos índios tocavam  
As flautas sagradas e tambores  
    E junto à sua mão no punhal
   As mãos de todos os avós
Xamã entrou no fogo   
E dançou com ele   
   Os espíritos xapiripë comandavam
   E fluíam curando tapuio doente

Pistache

Lavandeira


Não, não te assustes, não voe, por favor. Eu só quero caminhar a teu lado.
Observar as mil cores e nuances que tens em teus pretos e brancos. Teus simples movimentos.
Ver teu caminho. E, se possível, ouvir teu canto em que chamas o vento.

Branco Carmim

Orland P. Mathies



– Nunca cheguem perto de mim. – traduzia-se ela.

Matilde Dharen vivia perto da Casa das Árvores de Bolddingross Ville. Não se isolava completamente por não poder conviver com isso. Diziam que era louca intolerante e intolerável. Ela dizia que não podiam chegar perto dela, que seria o fim de quem o fizesse. Acreditava ter uma maldição.
– A anátema ronda por mim. Porém jamais me toca. Amaldiçoados ficarão os que compartilharem minha atenção e minha vida. – Avisava.
Decerto era poeta ou algo do gênero antes de perder o lar. Espalhava que jovens que se aproximassem se apaixonariam e por ela morreriam; que moças a confiariam suas almas e seriam destruídas pelo fel da maldição; que a larva da mentira repugnante vivia à sua espreita; que muitos tolos tentariam defendê-la dos certos e amedrontados, que insultavam-na à distancia, e morreriam de fome ou deprimência; que perderiam os amigos e o lar quem lhe desse confiança e que a única coisa que ela poderia fazer de bom era o que estava fazendo: alertando.
Havia perdido sua casa e sua família durante a guerra. Mas era fato que eram poucos que se metiam a chegar perto, apesar da beleza e do caráter poético e cativante que demonstrava possuir através de escritos e pinturas que fazia na maior parte do tempo, e os que o faziam, bem, não se tinha notícias.
Até então não haviam comprovado nada sobre seu respeito nem sobre suas superstições. Então decidi eu mesmo tentar entendê-la. Ela tinha realmente uma personalidade exuberante como uma borboleta com asas de flor. A princípio persistiu em não me deixar aproximar-me alegando o de sempre. Considerei-me, a ela, como avisado. E ela, com aparente pesar, me abriu as portas.
Em algum tempo tornamo-nos muito amigos. Visitávamo-nos com frequência e eu não entendia nada do começo de toda a estória. Aos poucos ela parecia ter perdido o receio costumeiro.
Ela tinha um caráter realmente cativante. Via e dizia coisas fantásticas, coisas que eu sempre imaginei, outras, que nunca consegui nem imaginar, e que eram uma incrível tradução de meus próprios pensamentos.
Não me interessavam muito mais os livros. Já não passávamos mais um dia sem nos ver e Matilde não parecia mais temer isso. Tinha-se tornado impossível não pensar nela e em seu caráter conquistador. Mal notei como seu lábio retorcia-se para cima em um sorriso irônico quando lhe contava como a via e como não precisava de mais nada para acreditar nela além dela própria. Ela parecia realmente me amar. Estava cego. E eu a amava.
Dias aflitos, sem dormir e sem vida até resolver minhas resoluções. Ainda éramos amigos.
– Por que esses olhos tão escuros meu caro? Quem é a pequena com quem andas sonhando? – dizia-me ela com voz doce, o mesmo sorriso ameaçador nos olhos, como uma serpente colorida. E eu um coelho.
Até que decidi, no meio de mais uma noite insone, correr até ela, tomar-lhe nos braços e me denunciar. A ponto de euforia alcancei-a colhendo flores brancas. Ela estava de vestido igualmente branco com uma das flores no cabelo ruivo esvoaçante.
– Sabia que virias. – disse-me com um sorriso aberto nos lábios carmim. Agarrou meu braço e puxou-me para junto de uma árvore.
– Sempre vêm. – sem entender, ouvi-a murmurar para si mesma.
Sentados, tentei segurá-la nos braços, mas ela segurava meus pulsos na altura dos seus tornozelos. Com o coração nas mãos, tentei dizer-lhe o que sentia, mas ela calou-me com arrogância:
– Sei de tudo isso meu querido. Não pense em mais nada
Ela aproximou-se do meu rosto e o lábio dos meus ouvidos. Senti-a movê-los num sussurro, para mim:

– Foste avisado. – disse-me antes de debruçar-se para beijar-me. Antes de sentir garras gélidas nas veias e ardência nos olhos. Antes da dor lancinante. Antes das estrelas escurecerem e com elas se acentuar o cheiro amoníaco das flores brancas. Antes do silêncio.

"Janela sobre..."

        Ângela Maccini tinha lido apenas dois livros do autor. Desde antes de ler o primeiro, já havia se maravilhado pelos seus pensamentos, a partir de uma das crônicas que o livro trazia no lugar do prefácio na parte de trás. Ao terminar o segundo, imaginou de repente como seria a imagem do incrível uruguaio, e o viu na sua frente. Imaginou como seria se, algum dia, o visse em pessoa, em alguma estréia de livro ou algo do gênero. E resolveu na mesma hora que correria até ele, o abraçaria, seguraria seus cotovelos e perguntaria sobre livros e influências, diria o quanto o admira e mais além disso, diria também suas opiniões, o abraçaria de novo e por fim o esperaria falar tudo que ela não havia deixado pela empolgação; tudo isso sem sair do seu lugar, apenas com uma borboleta que sairia dos seus olhos.

Cartas para Geraldine Lespar VII


Essas palavras pesaram quase como se fossem destinadas a mim. Quem será Geraldine? E S. B.? Quem quer que sejam, algo se passa; por que essas cartas vieram parar aqui, e essa pessoa, S. B., ela continuará mandando cartas as quais não recebe resposta? Essa carta que abri continha uma quantidade razoável de poeira e desgasto, o desgasto das coisas muito tempo paradas. Mas não era, acho eu, das mais velhas. Agora, não acho tanto que fiz mal em abri-la, de certo modo porque talvez seu destinatário nunca a receba, e de certo modo porque é como se não parecesse mais algo que eu não deva fazer. Familiaridade, talvez?

      Passei ainda algumas horas, quase a fio, pensando no conteúdo da carta. É, talvez, desnecessário dizer isso, e também que senti, logo, uma aflição crescente por abrir outra. Uma próxima revelação, uma nova peça, que se uniria à primeira. Mas não fiz isso, não imediatamente.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Cartas para Geraldine Lespar VI

    “ Geraldine,

      Estou diferente. Não sonhei mais sonhos bons essas noites. O nosso anel me escorrega do dedo agora. Desde a última vez, eu sinto como se minhas pálpebras fossem indivíduos estranhos, com vida independente da minha, e, o que vejo, são apenas sequências de imagens que, na realidade, não alcançam minha mente. Dizem que não estou bem, mas nenhum deles sabe o que tenho, o que realmente tenho. Não espero mais que venhas. Mas não sei com quem mais contar neste mundo, e, apenas por lembranças, ainda mando esta carta.


S. B.”

Cartas para Geraldine Lespar V

Ela me pediu para guardá-las e recolher as próximas que viessem a chegar, ela estava extremamente ocupada, e eu poderia fazer isso enquanto estivesse aqui. Bem, dito isso, o telefone tocou e ela ficou realmente ocupada, dei meia volta e voltei ao meu apartamento, junto com o pacote. Passei horas olhando aquele maço, sem saber o que fazer. Alguma coisa nesta história me envolvia, tanto quanto este apartamento.
E aqui estou eu, olhando ainda para estas cartas, não me contendo mais, pensando o quanto seria errado, só para me convencer a não abrir nenhuma delas. Mas alguma coisa está me pedindo para fazer justamente o contrário, e talvez não seja só minha curiosidade.
Numa dessas noites de insônia, não me aguento e abro uma das cartas.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

害怕

Cartas para Geraldine Lespar IV


Estava endereçada alguém chamado Geraldine Lespar. Eu não a abri, coloquei-a numa das caixas de papéis: se ninguém viesse reclamá-la, eu ia tentar achar alguém a quem entregar.
E passaram alguns dias, vieram mais entrevistas de emprego, ansiedade da espera, novos livros. Entrando na terceira semana chegou outra carta para Geraldine. Juntei-a a primeira, a qual eu já havia me esquecido completamente. Eu ia ter de fazer alguma coisa, mas o quê? Fui falar com a minha amiga dona do prédio.
Ao ouvir do que se tratava, ela assumiu numa expressão interessante e disse que achava que essas cartas já haviam parado de chegar. “Como assim ‘parado’?” perguntei obviamente, então ela levantou, virou-se para uma estante cheia de gavetas e abriu a penúltima delas. De lá, tirou um pacote de cartas que depositou sobre a mesa e disse que elas vinham chegando há um tempo, mas que recentemente tinham parado. Contou-me que, no começo, estranhou, pois nunca morara ali ninguém chamado Geraldine Lespar. Tentou os correios para informar o engano, mas a burocracia as extraviava novamente; tentou, depois, achar o destinatário das cartas, mas todas suas tentativas falharam; e era impossível saber quem era o remetente, pois só havia as iniciais. Resignou-se então a recolhê-las, até que cessaram de chegar, pouco antes de eu ir para lá.