quarta-feira, 14 de julho de 2010

Achaste minha casa, enfim, não? Sim, sim, venha, entre, está frio aí. Melhor heim? Vamos sente-se. Claro, em qualquer uma dessas. Que traços bonitos tens, teus olhos, sim, sabes que os olhos mostram a essência de cada pessoa? Hum. Ah, sim, reparaste, hã? Não é organizada, ou limpa, quanto a tua própria casa mas creio que é muito mais colorida, não? Mas ainda estás com essas malas? Dê-me cá. Espere só um instante. Pronto, depois te mostro onde as coloquei. Mas o que dizias? A casa, sim. Sabes, é impressionante o tanto de histórias que guardam as casas... Ali, naquele canto, imaginas, um garotinho, tem seus dez anos, vês? Ele e sua mãe chegaram hoje nesta casa, moravam longe antes. Antes de quê? Bem, antes de qualquer coisa. Vês? Ele sentado no chão, alguns discos no seu colo, sua mãe despenteada tentando achar alguma coisa. Ele olha para a janela. Sabe, ele sente-se cansado, sente um vazio enorme e apertado no peito, sente falta de como quer que tenha sido antes, não que fosse bom, apenas era conhecido. Ele olha o céu, essas mesmas estrelas, e uma chuva como esta de agora. Pois é, está chovendo. Também não percebi. Queres um cobertor? Ora, se precisa! Vou pegar um para mim então, divides ele comigo. Aqui, toma, cobre-te. Mas me diz, por que o garoto não fala para a mãe o que vai dentro? Bom... eu não sei. Talvez ela saiba o que vai nele, talvez seja parecido com o que vai nela. Talvez ela esteja muito ocupada. Talvez ela não esteja podendo ouvir, ela nem reparou na chuva. Ou talvez ele esteja confuso ou triste demais, o vazio pode ter tomado suas palavras ou seu ânimo. Quem sabe? ... Viu? Aquele vulto que passou correndo? Vês ali, agora a cabeçinha loira é a única coisa que dá para distinguir da criança. Ali no meio, numa mesa velha, um homem e uma mulher, um casal. A lâmpada acima da mesa ilumina mal e eles comem algo frugal mas quente. Espera um minuto... Biscoitos! Já volto. Aqui, quase passaram do ponto. Pega alguns, assim te esquentam as mãos. Então, alguma coisa no clima está diferente. A mulher está apreensiva com o que tem a contar. Ele nem percebe nada. Ela para de comer e chama a atenção dele. Ele para e olha. E ela lhe conta, com esperança e nervosismo nos olhos, que está esperando outro filho. Sabes, essas coisas acontecem, mas o momento não é nada bom e ela sabe, tem medo de como ele vai reagir. Ele ainda está parado a olhar. Ela já pensa em repetir o que disse quando ele se levanta chorando e sorrindo e a abraça. A essa altura a menininha está aninhada embaixo da mesa, dormindo. Vem, estás bocejando, também estou com sono. Podes dormir onde quiseres, tuas malas pus ali no corredor, de frente pra todas as portas. Se precisares de algo, chames, ainda demoro a pegar no sono.

Nic

VERDE SINTO DENTRO
QUANDO FICO VERSO
SENTO FIRMO INTEIRO
POSTO RECOMEÇO


PENSO VENTO CHEIO
SE ADENTRO PEÇO
ACHO FINO MEIO
CURSO ATRAVESSO


SUJO QUANTO ACENO
FALTA PENO IMERSO
MIRO CONTRA PONDO
NADA CONTRAVERSO