quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A sombra da figueira

Livre-arbítrio. Liberdade, vidas. Você tinha tudo. Desde sempre você tinha tudo, até uma boa história. Tinha amor, uma casa, uma família te esperando nela, um caminho crescente à frente. Você tinha um amor incondicional à disposição, era seu, com toda sua beleza e inocência. Mas você o cortou os cabelos, tão belos, e o tornou frio, frio mesmo, quando nem era sabido o que era calor ainda. Sua barba arranhando os rostos lisos, você amassou cada pedaço de um origami tão bonito. Você olhou para tudo e disse, mudo de olhos injetados, tudo é uma bosta.

Dança

O chão treme. Vibra no tum dos pés. O ar transpira energia e sorrisos etílicos. Cabelos na testa e contra a luz. Alegrias viram tristezas e tristezas viram sorrisos. Mas na dança tudo se apaga, e se não apaga, vira tum nos pés.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Black Poison.

Orlando entra comigo. Ele me viu levar um soco, bem na cabeça. Minha cabeça pesa, minha fronte dolorida abriga, a contragosto, meus olhos secos e ardidos, e guia meu corpo mole. Adam também está comigo. Empurro a barra de metal da porta de pressão, sentindo a sujeira na palma das mãos. Entro, só eu deixo pegadas. Ouço o fechar da porta atrás de mim e o pouco que pude ver com a luz fria da rua, altera-se para uma penumbra adornada de almas soturnas. O único som possível é o da poeira se movendo no ar estagnado. Vou andando, incerta, mas outro lugar não chega a ser uma cogitação. Um passo, som, eco. Outro passo, som, eco. O eco se perde surdo no movimento das partículas no ar. Paro, algo me diz para parar. O silencio é uma massa que me empurra os ouvidos. Então começa. Um uníssono, nossas vozes juntas, aterrorizantes, de repente. Nossas vozes, iguais, cantam a mesma coisa, alto, muito alto nos meus ouvidos já maltratados. Depressa, várias partes de meu consciente me mandam, tape os ouvidos, arranque-os. Mas só o que faço é me encolher em mim mesma, olhos arregalados quando eu mal os podia abrir. De todos os lados vêm e começam a ficar ferozes em seu arranjo magnético e perfeito, cujo sentido das palavras não consigo entender estritamente, não resisto nem para manter os meus. Meu pavor começa a entornar de meu sangue e saio cambaleante, tento andar sentindo minha testa úmida e uma loucura me dilacerando a garganta. Sim, sei que Orlando e Adam estão, mas que vultos temerosos são, eles também não sabiam o que ia acontecer. Só percebo que as vozes pararam quando sinto minhas unhas sangrentas cravadas em minhas palmas. Mas pouco muda, percebo também. Agora percebo o som que não tinha percebido. Um coração batendo. Envenenado.                                     

domingo, 20 de novembro de 2011

Dossel

Naquele quarto ela segura a cabeça do senhor com sua mão de unhas pintadas, segura com muito carinho o rosto cansado e gordo do homem, seu nariz bexiguento, seus olhos brilhantes quase baços em sua calva cabeça. Ela está de camisola e cabelos soltos sentada mais alta no pé da cama. Mas não há maldade ali. Naquele quarto, de pintura forte e luz fraca, de móveis ordinários e aparência vulgar, ali se paga pra ter, ainda que por um espaço definido de tempo, um pouco de sonho. Ela já não é muito nova, tampouco é velha ainda, mas ali ela tem todas as idades, vira mãe carinhosa, irmã devotada, adorável esposa, filha reencontrada, amor perdido, o que necessitar o coração dos homens e mulheres que entram ali, com dinheiro e sede. Ali as dores são aguçadas e adormecidas, lembranças existentes e inventadas surgem no melhor perfume barato, ela fica mais bela, eles ficam mais novos, até a cama ganha dossel.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

No chão, uma faca de cabo grosso e preto, lâmina nova. Na faca e no chão, um sangue escuro, quase negro. Luz parca e amarelada na rua ilumina pouco, reflete vagamente na lâmina. Ninguém passa. Ao lado, pouco mais distante, um homem curvado agarra a si próprio, sentado no chão. Silêncio. O desespero é silencioso.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Vermelho Veneza

Aquele lugar na Itália. Aquele que fui sozinha uma vez. Não sei dizer se é bonito. Mas acho que eu pertenço lá.
Acho que vou mais uma vez. Ainda tenho, em algum lugar, uma fantasia. Talvez eu não chegue mesmo lá, mas devia. Esse lugar na Itália, eu já sorri lá. Conheci uma garota. Em instantes ela virou uma mulher, quase não a reconheço. Lá eu já andei de barco. Já vi a noite, é uma noite diferente. Passei pouco tempo nesse lugar, muito pouco, de fato. Quando acordei já estava aqui. Talvez eu envelheça lá.

Altiza

Ela era menina e corria quando caiu e arrastou os joelhos e as mãos no chão. Enquanto algumas lágrimas escorriam dos seus olhos, ela olhou para as marcas de sangue nas tábuas de madeira. Ela jamais esqueceria daquilo. Percebeu alí, horrorizada, que o que fazemos deixa rastros.
Aquelas manchas nunca mais saíram da madeira do chão.
E todo sangue que saiu dela, desde então, marcou permanentemente alguma coisa.

sábado, 12 de novembro de 2011

Toma.

Não, fica. Quero pensar que tens algo meu. Finge que este pedaço de coisa é um pedaço de mim. Olha pra ele e lembra desta pessoa tão tola a que pertencia. Olha pra ele e entende, lembra, ele te mostra que estou a teu dispor, só precisas estender a mão. Talvez com isto por perto eu, parecendo ainda mais boba, nesta forma tão coisa e pequena, demore um pouco mais no teu olhar.


terça-feira, 8 de novembro de 2011

Mensonge Romantique


...e então nos encontrávamos. Debaixo de algum lugar nos protegendo da chuva, e nos olharíamos. Você falaria coisas sem importância alguma e eu lembraria de tudo mesmo assim, ou falaria coisas importantes, e eu não lembraria de nada. Eu lembraria dos teus olhos, estariam tão brilhantes, e teu sorriso, um sorriso de paz, e nervoso de estar, enfim, em harmonia. Ou não diríamos nada, pra nossa surpresa, por nossa surpresa, mas nos veríamos, veríamos em nós a verdade de termos nos encontrado, tão inesperadamente. E sentiríamos um nervoso, como quem olha de um lugar muito alto, mas sorriríamos por ver a paisagem. Talvez falássemos da chuva, ou talvez nem lembrássemos que estávamos molhados. Seria um belo fim de filme. Mas nós descobriríamos que pra nós era justamente o começo, depois de uma introdução muito longa...

domingo, 6 de novembro de 2011


Você tem cheiro de travesseiro. Tem cheiro de perfume e maçã.
Saia da minha cama.
Saia agora, saia do meu quarto, da minha vida. Saia!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011


A borboleta está morta. Tudo é uma série de coisas impulsivas e sentimentais, fortes, fora de série, como o fogo. Então vem as palavras e tudo passa a ser palavras. Que danem-se todas essas correntes inúteis que me fazem ouvir, que me prendem as mãos, que me toldam as asas. Quero matar a borboleta, com seu voo frágil. Quero virar um monstro, quero arfar e correr, quero ser a besta que vai correr pela noite, o mostro que tem olhos. Varar o céu num único voo que te deixará surdo. Quero ser toda a escuridão, toda em um só movimento. Gritar e matar, me matar e não morrer. Quero ser minha voracidade, onde até o medo vira vento.
Animais não tem nome. Animais não falam.