segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Vejo pontos brancos em meu casaco preto como a noite. São como estrelas. Como o universo. Olho para cima e, porém, o universo também está lá. Mas com apenas duas estrelas.
Às vezes, sabemos, imaginar não é saudável. É a parte do platonismo que faz querer transformar tudo em pedra. É dolorido, transtornante. Mas experimenta-se nisso uma tendência masoquista, inevitável e suicida. O sonho, o puramente sonho, nos atrai. O homem quer mais o que não pode ter.

sábado, 29 de outubro de 2011

Eu sou onde os sorrisos morrem.
Não haverá mão que me afague a cabeça, nenhuma que não me queira algo. Tudo que me toca me quer algo, me toma algo. Por isso nenhuma me irá tocar.
Olho de soslaio, mesmo quando de frente, e vejo todo meu destino estendido, assim, como a me estender a mão. E um mar gelado passa entre mim e todo o resto. Eu sei o que tenho a fazer. Mas vou embora, vou como se não houvesse toda uma morte e uma vida a se desenrolarem no meu peito. Nada de mais, digo, na próxima, sim. Mas e se não houver... não haverá uma próxima, haverá?
Por isso hoje usarei vermelho, em homenagem a tudo o que eu não fiz. Em homenagem a tudo que se move em mim, numa corrente adversa a toda a chance. E olharei nos olhos do nada e falaremos a mesma língua.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Mãe

"- Não é possível! Só eu na face da Terra consigo fazer isso!
 - Se eu fosse a senhora não dizia isso. Afinal, eu sou sua filha.
 - É... Mas talvez minha filha não viva na face da Terra."

De ratos e derrotas

Arranco à unha teu olhar de mim. E o calor de tuas mãos queima as minhas. Afasto o mal cheiro da minha raiva com a repulsa de quem enjoa da doçura do amor. Tua limpeza suja minha fumaça. Se é fato que todos querem ser felizes, não sei quem sou. Mas minha tristeza, e minha alegria, e minha embriaguês, são tão fajutas, tão fitas, quanto tudo que sou e finjo ser e não ser pra tentar ser algo mais que um nada poeirento. Como a camada colorida e brilhante que encobre uma água suja e oleosa. Meus ventos voaram pra longe. A tempos as flores dos teus beijos murcharam. E também com elas minhas borboletas. Não revolvo terras, não semeio, nada quero senão que o ar seja o que é. O ar não vira vento se empurrado. Tua tosse só me mostra que não sabes respirar o que sou. Mostra que queres, que precisas me expulsar dos teus pulmões. Ainda que sorria e finja. Que sorria e acene. E se não bastasse minha pele, teu olhar, tanto quero também me arrancar o sangue, me arrancar o sorriso, me arrancar por inteiro, arrancar tudo que não tenho raízes. E assim com as unhas cheias, com o olhar cheio, tudo que ele guardou, nada disso foi para alguém, ninguém viu, ninguém assistiu o enterro da minha última quimera, nem os gatos negros que me percorriam a pele ao sentir tua possibilidade em meu caminho. E de repente, fácil fosse, numa tragada o dia me finda.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Dama dos Laços


Me torturas. Andas a tocar-me sem me querer. Andas, e não sabes que o fazes. Falas e nunca dizes uma coisa, apenas. Penso às vezes que me queres por louco. Mas não sabes que o fazes, e o fazes. És simples e envolvente como uma flor exótica. Me torturas e por vezes penso em dizer-te "Que queres? Toma-me ou deixa-me em paz". Quando penso que não estás, te acercas mansa e ferozmente bela. E quando penso que finalmente vais tomar-me, deixas-me a ver o vento. Bem vejo, quando eu não mais estiver perto, vais querer puxar-me pra junto, como se me quisesses verdadeiramente, porém já saberei eu que tão pouco valerá voltar. No entanto voltarei, indubitavelmente. Me mereces. Ainda que não me queiras.

Aos Deuses Internos

Eu bebi do fogo em pura forma
Todas as flamas adjacentes e temperamentais
Bebi como quem bebe do elixir Olmeca
Brinquei com as fulguras em minha língua
Em misto ardente de tato e paladar
E eu quis em suma e ensandecida
Que elas e as damas queimadouras
Dançassem dentro de mim invisíveis
Como jamais haverá quem faça
E nem todo amor nem todo o ódio seriam tão frios
Como as chamas que bebo em meu nome

sábado, 22 de outubro de 2011

Traje de Gala


A chuva, o cheiro, a fumaça, tudo tudo lembra algo muito bom de viver, algo que só de existir é sublime, algo que você lembra mesmo que nunca tenha vivido. O mesmo som dos carros e pessoas, os mesmo afazeres da vida normal, os mesmos trajetos, sem dúvida, mas tudo vira outra coisa, tudo é mais fresco e o vento fala outra língua, da liberdade. As ruas são escuras e claras ao mesmo tempo. Os sorrisos merecem ser calmos, se vierem, e tudo incute um rir interno, até mesmo respirar. E o tempo vibra suavemente, pela área atrás dos olhos, ameaçando voltar algo lá de trás, de se dobrar repentinamente.
É assim que a Existência mostra um dos seus trajes de gala.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Ácido Lúdico

 
Na boca cheia de fumaça
flutuam, envoltas,
minhas últimas palavras.
São teu nome e nele digo que sei.
No tédio mortal dos meus dias
segui muitas vezes
o pensamento do nada cinzento.
Tão embora nada tenha mudado,
em fato,
o tempo é findo.
E é sabido que o tempo muda
toda uma perspectiva secular.
E de séculos é formado todo ele,
todo santo segundo
em que detesto tudo
que amo.

sábado, 15 de outubro de 2011

Mais adiante há uma floresta. Uma densa floresta de árvores de folhas grandes. Corre um rio, mas o importante não é a corrida dele, afinal não se sabe pra onde ele corre, ele não chega mesmo ao mar. O rio é verde, um verde intenso e azulado, escurecido pelas pedras pretas, redondas e brilhantes que forram o fundo. Não é muito largo, o que torna mais difícil de explicar sua cor, não que alguém já tenha pensado em fazê-lo. É um rio que toma toda luz ao redor, por metros, mas ilumina toda a vista, sem reluzir. Ele toma a atenção. E o raciocínio, também. Vaga, por lá, algo silencioso. Algo vestido de preto e tão silencioso que se move e respira rouco e, ao fazer isso, torna tudo mais silencioso que antes. Há também, uma clareira, não muito grande. No meio  dela, não exatamente no centro, uma árvore, ou algo muito próximo disso. Talvez alguém, ou algo próximo disso. Deve haver também coisas as quais não há como ter certeza, não há certeza se estão lá, se existem, se são coisas e se, existindo algum lado, qual escolhem, se escolhem. Só não parece haver, nessa floresta, por esse rio, pela clareira e mais profundamente, pessoas. Não parece.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011


Sou feito de pedra

Entre todos de todos os lugares

Sou feito de silêncio

Ninguém se arrisca fogo à pedra

Sou feito de perda

Fumaça e Espelhos

Uso de estranhezas simpáticas e curiosidades para encobrir o vazio que sou.

Não se engane, é tudo fumaça e espelhos.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Chave

Começo indo onde devia estar. Não. Olho em outro lugar. Depois em outros cantos comuns. Aí já ando, rápido e nada produtivamente. Então paro e ando devagar, verificando outros lugares nada específicos, os mesmos de antes, todos os visíveis. Penso todas as probabilidades e refaço o caminho todo de novo. Alço a vista por todos os cantos e por todo o perímetro. Nada.
Não adianta. Não consigo me achar.
Estava em um turbilhão tão intenso de idéias que, quando passou, apagou todas as luzes de uma rua e acendeu as de outra.

Café

Marina beija seu amor. Acorda e vê que é apenas uma pessoa. Marina acorda todos os dias com essa sensação terrível e libertadora de quem sabe que não terá nada, e será sempre assim. Ela toma café, come um pedaço de pão e sai, ainda recendendo a café. Marina vai sem pressa, sempre sem pressa, talvez rápido algumas vezes, mas não foge de nada, não vai atrás de nada, não tem pressa. Tudo que Marina merece, ninguém sabe. Ninguém nunca fez as contas. E até parece natural assim.
Algumas coisas acontecem, às vezes, umas coisas ou outras, ela ri, riem pra ela, faz vento, coisas. Não há nada que dure o tempo na vida de Marina. Depois de um dia de nadas, coisas ou algumas coisas, o que resta é Marina, ainda é Marina, seria surpreendente, se ela se surpreendesse tão naturalmente como é natural. Você não fala de sonhos com Marina.
Aparecem alguns fluxos que ela segue, vez ou outra, como era de se esperar. Ela almoça, qualquer coisa em qualquer temperatura, o sol realmente combina com Marina, ela sabe disso enquanto olha a tarde. As tardes já fizeram muito com ela.
As noites, quase sempre, tem algo que mudam Marina. Mesmo os anos parecendo vidas.
Certa vez vem um moço e pergunta o nome dela. O moço sabe seu nome, quando ela nasceu, e algumas outras coisas, coisas que Marina percebe que ele sabe, e é só o que Marina sabe do moço. Marina tem às músicas como ao café. Às pessoas como ao almoço.
De resto, todos os dias Marina ainda é ela.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

sábado, 1 de outubro de 2011

Preciso me reconectar com algo, lembrar as coisas importantes e fortes, todas as coisas que viajaram para um castelo distante.
Naquele prédio abandonado reside a minha alma.
Nossos silêncios são sagrados, sabe Luiza?
Eco, cimento, poeira, fios decompostos brilhando eletricidade.
Pés silenciosos deixam pegadas vermelhas num chão limpo. Uma, outra, outra.
Na beirada, nas colunas, tudo é meu, tudo sou eu.
Senta-se, tudo é branco, claro como sua cabeça jamais será.
Depois um grande vento, direto, de todos os lados. Mais nada.

Sunny Nights

Não existe