domingo, 29 de abril de 2012

De como se sentir nada.

Permaneça em casa. Ou saia, não importa.


Ligue a TV. Ou veja bons amigos, não importa.


Coma muito, por um longo dia. Ou não toque num prato, não importa.


Olhe as coisas não feitas. Ou as que não adiantam, não importa.


Faça uma infinidade de coisas. Ou não se mova da cama, não importa.













No final sempre tem aquele gosto azedo de comida passada.
























Porque, enfim,
Não importa.

sábado, 28 de abril de 2012

Anei

Era uma mulher difícil. Era muito só de si. Até nos outros que queria só tinha de si, no rosto dos outros tinha só um espelho, uma escora pra se ver. Ainda que algumas vezes só visse os outros. Era gentil em horas estranhas e estranha em horas comuns. Era complicada. Bonita de doer, uma beleza fácil, de porcelana chinesa. Sabia ser muito igual, se encaixar mesmo no grupo que lhe escolhia. Mas, quando não acontecia, largava todos sem dar satisfação e se pudesse não falaria com ninguém por um mês. Falava com uma certa moça, uma moça que lhe falava muitas coisas. Mas a moça e ela eram muito sós. Argumentava em silêncio, cismando o amargo como tragada, do tóxico à inconsciência. E o que dizer, se não lhe falava? Muito difícil era ela.

sexta-feira, 27 de abril de 2012


Manto na cabeça ou guitarra em punho. Eu cuspo, te repudio, me repudio, te quero e não quero nunca. Não sou essa figura habitando tuas esferas de gente solitária. Não é santo meu vômito, não é belo meu mijo. Minhas palavras farsas devias te calar. Me tira daí, não preciso que me tire, eu mesma saio. Esse pedestal limpo e doído, doído de alto, não existe. Essa daí não existe. Percebe? Tira esses olhos baços de enlevo e me enxerga, porra!

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Bagrear

Um animal parindo-se na fronte. Vai estourar, vai estourar! Põe a mão na testa a conter o tufão revelioso e se concentra no nada. Levanta e parece andar sobre bolhas e fumaça, tudo bambeia, até as mãos misturando a palheta da realidade. Sorri, idiota, é idiota. Vem coisas absurdas à mente, repugnantes, mas ficam lá. A porta. A porta bem ali. Andar até a porta, sair, as correntes se quebrando lá atras do pescoço. E todo o universo gira enquanto o mundo continua parado.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Precisamente


Preciso de praiar pra continuar o cheiro do dia. Preciso de comprar algum alcoólico pra provar uma nova bebida. Chá, leite. Preciso de uma saia, uma bem bonita. Preciso de sorrir ao sol. Preciso de um dia sem compromisso no shopping. Preciso de reviver pelo cheiro a sensação do primeiro hotel. Cerâmica. Preciso de comer um salgado numa barraca de feirinha. Preciso de fazer alguém provar laranja. Preciso de ver um por do sol na rua. Preciso de fazer pose sem querer. E um copo de Vinho Ita.



O rosto vai chovendo. Se desmanchando assim, escorrendo, derretendo incolor pelo pescoço, roupa, calçada. O rosto se desfaz esquecido da firmeza natural. Incolor como a mente. E esta face sem rosto, sem cor e sem face, caminha só, dona da roupa molhada e uma mancha rósea do rosto diluído.

domingo, 22 de abril de 2012

Meu tempo


Você fez muito, e falou muito pouco. Você sempre falou muito pouco, quis saber pouco também. Você, sempre julgando errado. Não sei como começou, nem se precisou começar, na verdade. Mas sei que me curei aos poucos, muito aos poucos depois de me quebrar sem perceber. As coisas sempre me atingem diferente, com uma força muito maior do que eu acharia, mas só muito depois de começar é que posso avaliar seus danos. E eu sempre dou de ombros.
Essa cura consistiu, basicamente, em me colar pedaços e mais pedaços de couro velho com uma cola azeda, mas transparente. No final, estava grossa e pesada, mas você não me alcançava e tudo que me batia era apenas perceptível. Isso só tendia agravar com o tempo, ainda que muito gradativamente, e com isso eu aplacava minha conexão contigo, desde cedo tão estreita, e com todo o resto que é teu.
Vinha já me perguntando, por quê? Por que não? Talvez seja o que me falta. E, nem mesmo sentindo tua falta, quis tirar meus trapos, já, pelo contrario, reforçava as camadas e fechava brechas sem esforço.
Então você, numa só tacada, me arrancou toda a couraça que tanto me custou montar, e me vi assim, desnuda e quase contente de aflita pelo seu toque. Essa ânsia, já esquecida, me fazendo racar os dedos na pele inquieta, a querer me atravessar por inteiro. Achei que era isso, afinal.
Mas você não veio. E não viria nunca. E muito antes de eu perceber, já me estava armando de novo, dessa vez com uma armação única, uma capa que se põe por inteiro, que não esquenta mas me separa do emaranhado que me misturava a teus cabelos. Quando dei por mim, já estava plena da consciência que me falhava, a consciência que me arma a me lembrar porque fazer tal coisa.
E agora?
O pior é que não sei. De novo.
Horas alucinadas. Abrir os olhos num despertar nervoso. Essas horas em que tudo monstrifica. Tudo me prende e me quer agarrar, frio e venenoso, tudo é perigo. Tudo e todos. Não tenho armas, nem poderes, nem aliados. Por pouco não me tenho a mim. Tenho calma, ainda frágil, e resistência, bem que tênue. Preciso sair, preciso sair. Mas, dessa vez, não tem saída.

sábado, 21 de abril de 2012



Devia ter mais disso. Mais janelas esvoaçantes desembocando em vida extra. Mais piqueniques no quarto de hotel. Mais do desapego de meu sonho, que me é vocação. Tantas coisas que me são vida, de formas precisas de me querer ainda.
Por você faria certo. Mas se me necessitar ser-me fiel, urgindo sobrevivência, não se irrite.
Estarei bem, você vai ver.
Acomete vestir-me, ainda além, fantasiar-me. Empolgação, sentir uma nova pessoa assomar o espelho, uma pessoa capaz de tudo. Uma bela pessoa.

Ice Tea

Gostava de vê-lo. Gostava de ver seus sapatos no pé da cama. Gostava de como seus cabelos caiam na testa e de como os jogava pra trás com a mão. Gostava de ver como ele bebia, e gostava também da sua bebida. Gostava como Fábio cheirava a canela e mel, e de quando ele se vestia de azul. As janelas apontavam os telhados e a rua fria de chão de pedra. Os telhados. Ele pensava em morar neles. Mas gostava de sua casa no chão, e de como Fábio estava nela.

quarta-feira, 11 de abril de 2012



se calhava de eu escorar no teu ombro, ser perto, como uma pessoa faz, eu podia
mas não consigo, acho estranho só pensar
também acho estranho ser assim, já foi tão fácil, alguma vez
então jogo pra trás a ponta do cachecol surrado dentro do meu peito
e me constranjo de ser isso

terça-feira, 10 de abril de 2012

Não esperava chorar hoje. Mas nessas horas o sono de capricho se atrasa e a mente momentaneamente sem supervisão passeia por onde cuido em não me ater.
Não gosto de chorar porque estou fria e tudo fica muito quente no meu rosto quando choro. Nem gosto desse aperto no peito que me comprime o tórax como se espreme pano de chão. Ou do bolo que sobe a garganta até entupir o nariz.
Não esperava chorar essa noite. Tudo é tão estranho.
Quero dormir.

sábado, 7 de abril de 2012


Tenho afivelada dentro de mim uma vontade raivosa de gritar. Jogar qualquer coisa fora, importante ou não, com um safanão, de encontro à parede. E não sei com que senso de normalidade ainda me seguro parada, com o olhar duro e febril, e continuo com minha vida comum.


Às vezes acho que cada vez mais minha consciência se cansa dessa pessoa que estou sendo. Ela sabe que eu sei. Eu sei que sei. Sei quem não sou.


Pela primeira vez tive plena consciência de que estou vivendo a vida de outra pessoa.



E esse grito que não passa.

Não sei


quarta-feira, 4 de abril de 2012

TELEGRAMA

não sei o que fazer com ele. choveu muito, mas ainda estou seca. meu feriado vai ser curto, tudo bem. vieram e não me deixaram vê-los indo embora. e minha tia não veio. sempre tudo bem.








 

 

*

*
sou uma pessoa incrivelmente mais feliz em dias chuvosos



*não são minha autoria

terça-feira, 3 de abril de 2012

Parecia que o dia só estava frio daquele jeito para combinar com a imagem do Natal. Ele acordara embaixo das cobertas pensando que ainda era de madrugada, o céu estava cinzento e o ar do quarto, escuro. Mas o sono, mais precisamente a falta dele, denunciava o avançado da hora, 11:30. Bufou. Enrolou-se um pouco mais antes de descer. Mesmo sem ter o que fazer ainda, arrumou-se e desceu, sentia uma força de vontade indesperdiçável. Andou até chegar no parque, as ruas, incrivelmente, nada cheias. Uma leve impaciência começando a se formar nas suas mãos que tentavam em vão se ocupar num livro. Levantou pronto pra voltar a caminhar quando seu telefone tocou. Tateou e o colocou no ouvido antes de descobrir que era uma mensagem.
"Você sabe cozinhar?"
Era Natalia. Ele sorriu. Respondeu.
"Não."
Em poucos instantes ela mandou de volta:
"Perfeito! Me encontra na cozinha."
Ele franziu o cenho. Sim, estava entediado, e sim, adorava a companhia de Natalia, mas, estranhamente ou não, não sentia vontade alguma de embarcar no programa. Mas deu de ombros e voltou a andar pelas ruas frias e claras com as mãos nos bolsos. No caminho entrou num mercado milagrosamente aberto e deu uma olhada, despreocupadamente. Depois percebeu que não ia comprar nada e saiu, quase embaraçado.
Encontrou uma Natalia muito aturdida em meio a panelas, formas, livros e milhões de outras coisas que não teve tempo de distinguir antes dela lhe lançar o mais exasperado:
   - Pelo amor de deus, me salva!
   - Como, pelo amor de deus, eu poderia fazer isso?
   - Me ajudando a carregar o jantar, pelo amor de deus. - disse com um sorriso gigantesco.
Entraram no mesmo mercado em que ele havia passado antes, o único aberto pelas bandas. Depois de anos de discursão e ponderações sobre quantidade, preço, marca e tempo de cozimento, compraram uma quantidade razoável de lazanhas, ervilhas, queijo e outras coisas para as quais ele não via um uso compreensível. Natalia falava sandices atrás de sandices, o fazendo rir, quase tagarelando tanto quanto ela. No caminho da volta toda foram conversando coisas banais e uma ânsia surda foi se instalando nele, a qual ele só percebeu perto do fim da tarde, depois de arrastar todos os móveis da sala de Natalia em meio a copos de refri e músicas ruins.
   - Como assim? Você não vai ficar pro jantar?
   - Não...
   - Mas depois de todo nosso trabalho! Ah não Ti, fica vai, eu não chamei a Marina, nem o Theo, juro!
Ele respirou fundo antes de encerrar:

   - Não vou ficar Natalia.
Ela fez uma careta antes de dizer um "tá bem".

Agora ele não sabia o que fazer. Passeou pelas ruas cheias de luzes, olhando os enfeites, até perceber alguma coisa errada. O que era...?
   - Merda.
Uma bola azul de luzes balançava ferozmente na frente da casa, soltando um rugido ao empurrar o ar pesado ao redor.
   - Tudo bem aí?
   - Claro. - respondeu um chapéu. Ao menos foi isso que ele distinguiu na janela superior.

   - Ahm, certeza?
   - Claro.
Antes daquele negócio despencar como a Torre de Pisa nunca tinha feito.
   - Ih... - disse o chapéu antes de sumir.
Instantes depois, nos quais ele ficou plantado sem saber o que fazer, apareceu pela porta uma garota no mínimo divertida debaixo do chapéu. Começou a arrastar a coisa azul para a lateral da casa. Ele tentou ajudar, ela tentou recusar, mas o negócio enganchava na grama e logo os dois estavam carregando a bola pra junto das plantas do canto. Leo, como ela se apresentou, agradeceu depois de arfar. Sem saber bem o que dizer, ele falou:
   - Bem, Leo, bolas azuis costumam cair muito da sua janela?
   - Só quando tem rapazes gentis para ajudar a me livrar das provas. - foi a resposta bem humorada dela.
Os dois riram. O telefone dentro da casa tocou e Leo correu pra dentro sem dizer nada. Parecia que ela tinha se esquecido dele ali fora, mas quando ele se preparava pra sair ela apareceu, fechou a porta e disse:
   - Topa ser um rapaz gentil outra vez?

***

   - Não você não vai precisar carregar nada dessa vez.
Ele riu um tudo bem enquanto andavam pelas ruas iluminadas e frias.


   - Então, de que estamos fugindo?
   - Não sei do que você está falando - ela respondeu sorrindo.
Eles conversaram muito e muito pouco ao mesmo tempo enquanto andavam pelas ruas, passavam por praças e lojas entupidas todas de luz e pessoas agasalhadas.
   - Ah! já sei quem você é! - disse ela certo momento. Com a expressão esperada de não entendimento dele, ela prosseguiu - Você é Boy Walter. O mocinho que nunca recebe o mérito nem a garota. E não tira fotografias.
E com isso ela riu solto, como se fosse a constatação menos passível de questionamento no mundo.
   - Deve estar errado. Eu não sou um mocinho.
   - Já sei. - ela disse e sacou algo da bolsa de couro que carregava do outro lado. Estourou um flash no olho esquerdo dele. Sorriram. Ele concordou.
   - Resolvido. Ou quase, não sei quem você é.

***

Começava a se apossar dele um sentido estranho. Um querer sem mais, a perder de vista. Enquanto debatia em sua mente o que exatamente queria, decidiu que queria um café. Nessa hora, Leo decidiu que iria por outro lado e ele acabou decidindo que queria mais acompanhá-la. Rodaram muito mais do que ele achava que jamais faria numa noite fria de feriado.
   - Alguém já deve ter te dito que você é uma garota estranha.
   - O que? Sem pergunta? - sempre bem humorada.
Ele estava ficando tonto com aquele sentido estranho que se infiltrava como o frio, questão de hábito, quis constatar. Talvez fome, ele estava com fome. Perto do fim da noite, entendeu onde esse querer estava indo. O chapéu, tudo o chapéu. Sorriu com esse pensamento descoordenado.
Ele olhou o relógio na tela do celular, era quase meia noite.
   - Vou ficar aqui perto.
   - O que acontece com o templo da bola azul de onde saímos?
   - Continua lá.
Tão tarde e nem sinal das ruas que deixaram diminuírem as luzes ou as pessoas e seus sons felizes e quentes de festividade. Entravam agora numa ruazinha fria e calma onde, depois de uma caminhada breve, ela parou na frente de uma escada e disse que ficava ali. Ele olhou bem pro rosto de Leo e lhe tirou o chapéu. Ela olhou bem pros olhos bicolor dele, sorriu, pegou o chapéu e acenou, mas não se afastaram. Um estranho qualquer que passasse aquele momento pela rua não entenderia absolutamente nada do que se passava, se ligasse para isso.

Ele caminhava devagar com as mãos nos bolsos do casaco. Era meia noite. Também pensava devagar, sem pressa. Ela havia dito seu nome e sorria.
   - Feliz Natal.



Botas velhas

Vem, me faz feliz
Vem, que não aguento mais ser independente
Vem, e vê que teus braços são meus
Vem, me faz ser mais do que metade
Vem, mas vem agora
Vem, não diz não nem mas
Vem, e me rende de tudo
Vem, pra ser tudo que eu vou querer
Vem ser tudo tudo o que vamos ser

De nada

O vento bate em minha cabeça como ondas de compreensão, embalando o mesmo ritmo em que minha resignação se enlaça em minha cintura. Vou compreendendo, de novo, tudo sobre o frio. Retiro do campo de visão tudo, tudo que são os outros, e o que sempre sobra é esse isso, eu.
_

Meu olhar corre, como cativo, buscando. E se joga, louco, a agarrar-se a todo instante a tudo no caminho, tolo olhar. Desesperado. Meu olhar quer, incessante, fugir de mim.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Quero fazer uma canção para Madalena. Madalena que já foi tudo que nunca vou ser. Madalena que mais que existiu. Mas só me resta um último copo, então, que seja brinde. À vida! Um brinde!