domingo, 21 de abril de 2013

Devo calar-me. Devo calar também minha mente surda. Começar a vida que não tenho.
Vejo tudo, Luiza. Vejo a grade, vejo o perfume daquele a quem magoei.
Vejo o que não sou. Vejo a energia que me queima as mãos, me rói o estômago, me dá náuseas e estática nos olhos. Vejo o amigo, vejo o estranho, vejo o amigo estranho, as ruínas.
Assim como destruí as flores um dia, destruí o som, o passo. Assim mesmo sequei novamente a flor, os sons, as pedras. Os passos no entanto continuam, martelo no oco do mundo. Para canto nenhum onde vão todas as coisas essas.
Vejo, Luiza
vejo que esse mundo me cegou.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Pães


Servi uns pãezinhos quentes, coisa bem modesta. Com uma fila de legumes temperados e duas rodelas de queijo. Ela deve achar pouco, pensei. Mas não sabia o que mais fazer, e apostei na sedução do vapor perfumado subindo dos dois pães.

- Espero que esteja bem.
- Sim, tudo maravilhoso, obrigada. - disse-me com um sorriso que quase lhe fechava os olhos.
- Sinto muito, estou um tanto atrasada, não soube o que mais lhe fazer. Lhe compensarei na próxima refeição, sim?
- Oh, não se preocupe, não como muito mesmo. E o cheiro desses pãezinhos está fantástico!
- Então está certo. Mas promete-me avisar caso precise de algo? Diga que sim para eu ir sossegada.
- Certo, fique sossegada.
- Sim. - sorri-lhe - Até mais tarde.
- Até mais tarde. - sorriu-me de volta - E obrigada mais uma vez.

Fui para a rotina, mas aqueles benditos pãezinhos não me saíram da cabeça. Que tipo de anfitrião não se dá nem ao trabalho de preparar um prato decente? O que a moça pensaria. De fato, tudo o que já havia me perguntado antes de servi-la. Pensar que aquele sorriso que cerra os olhos fosse pura cortesia de pessoa educada me desagradava.

- Alguém aí?
- Oi? Perdão Madá, que você disse?
- Onde está sua cabeça?
- Na... Pães.
- Como?
- No negócio da casa, que te falei. Acho que não sou boa nisso.
- Deixe de bobagem, vai dar certo. Só precisa de tempo pra ajustar as coisas.
- Sim... Claro.
- Agora vê se para de se preocupar a toa e presta atenção em mim.
- Você e essa sua carência.

Cheguei no fim do dia em casa, cansada. A luz do cômodo no pátio estava apagada. Provavelmente estaria dormindo. Fui me arrumar para dormir. Tomei banho, arrumei uma série de pastas, uns cadernos e livros, as coisas no meu quarto. Quando terminei ainda tinha algo que eu sabia que não me deixaria dormir. Fui andar pela casa. Enquanto fazia um café, vi pela janela da cozinha a luz do pátio acesa. Lembrei instantaneamente dos pães.

- Sofia?

Bati de leve na janela fechada. Pela aberta pedi licença.

- Oi! Desculpa, fiz algum barulho? - ela disse com olhar de quem foi pego distraído.
- Não! Não, imagina. É só que... Bem, eu vi a luz acesa, achei que já tivesse ido dormir.
- Tem algum problema? Não consegui pegar no sono hoje, mas se estiver atrapalhando eu apago.
- Não, que isso. Desculpe, eu estou atrapalhando alguma coisa?
- Não, eu estava apenas lendo.
- Bom... eu fiz café. Trouxe um pouco, pra compensar hoje cedo. Você gosta?

Mais um sorriso daqueles.

- Claro. O que melhor pra ajudar a dormir do que café? Entra.

Ao me deitar, só pensei no que faria para a próxima refeição. Nela me dizendo que havia gostado dos pães. No meu travesseiro o perfume de roupa limpa, algo me dizia que o cheiro da casa no pátio não era mais aquele, sobre o travesseiro meu cabelo, preto, diferente do dela, que, notei, mesmo preso espalhava fios sobre os cômodos. Fechei os olhos, quase como o sorriso. Só pensei que a casa no pátio tinha outro perfume, e que tudo ao redor me dizia que ninguém deveria tirá-lo de lá, jamais.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Bela, como a beleza cristalizada em uma forma, um sorriso da natureza, és uma flor. Em todas as pétalas, em delicadeza, suavidade e perfume. Bela e simples, como é.
Deves, então, despedaçar-te em cristal quebrado, em pontas salientes e danos atônitos, transtornar-te pela loucura da mudança.
És bela, flor, porém és apenas flor, que encanta a outros, sem nunca dar-se ao encantamento. Deves despetalar-te, flor, em todas as certezas, porque tua vida cresce e deve crescer, além de árvore ou semente.
E deves, por fim, flor, ser o mundo inteiro além da flor, ver e ser visão, além do teu espaço no chão e do vento que te voou as pétalas.

terça-feira, 26 de março de 2013

Um traço tremido passa em mim.
Trêmulo, difuso, rói frio o liso cetim.
Desfaz fibra por fibra o já desfeito.
Teme, angustia, desfia imperfeito.

Se enrolando em fios de fraco carmim.

Tem uma traça no meu peito.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Chama Azul

Queria, por uma vez, transformar-me em fogo, em ardência pura e anseio. Queimar-me, consumir-te a pele. Num palpitar de faíscas te correr o corpo, num flamejar possesso de furor e loucura. Em força e calma urgência, mergulhar na combustão inflamável do querosene, até a fronte de chama derreter, em lábios lascivos e fulgurantes de sede e brasa satisfeita. Incendiar.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Blank


Na planície dos tempos eu vivo. Não há segredo que me liberte, não há mundo. Nada é proibido e, mesmo assim, nada é meu. Na planície é silencio. Mesmo o galope é imaginário e mesmo  o imaginário é pura sombra, eco passado. Não há promessa que espere, nem desejo que arda. Na irrealidade da conquista reside meu desengano. O tempo da planície me consome. Mesmo numa brecha de anseio em que deseje uma pausa, temporária que seja, esta mesma se consome em sua própria consciência. Não há código, nem conjuro, quimera que resista. Não há palavra que salve, posto, não há com quem trocá-la. A planície engole a seco amor e resistência. Olhar e objeto. Em aborto e inércia, dissolve. Voz e mistério.
Não há segredo.

sábado, 2 de março de 2013

o gelo

Este ponto.
Este em que teu coração para.
O que cerra teus lábios. Num risco mudo, e teus olhos.
Este ponto escuro em que abraças o frio em teu peito.
Este que tu conheces. Que aprendeste a silenciar.
O que por vezes fala, por teus lábios, por vezes.
Este, mesmo ontem, foi teu e de mais ninguém.
Este, amanhã mesmo, não mais alto que teu sangue.
O mesmo que te é certeza velada.
Este que é o outro.
Este é teu.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

À busca pelo não mais ter, a um santo de madeira oca, uma permanência preenchida no amargo, um prato cheio e um peito vazio. A um nivelamento de campo, uma coragem apocalíptica, uma dose de ascórbico. À compra e venda da verdade, ao holocausto molecular, a todo tempo de vida, à lembrança perpétua. À cada tijolo no muro.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Não quero mais tua boca.
De ventos fiz meu ar, em desespero, enquanto teu casulo me afoga no calor estático das coisas não ditas.
Havia feito, tempos atrás, tua boca minha sede, tua boca limpa, sorridente e teus olhos. Bebo agora meu ácido lúdico de silêncio e chuva. Bebo meu peito amargo em copo cheio e tragadas fortes. Bebo a lucidez transversa das cópias, em lógica renegada e necessária. E você, merlô e copo, esfumaça da minha vista, amarga e minha boca, em frio, em apego de fios de corda. A consideração falha em resposta ou conceito, da teoria gasta, quanto mais repulsivo melhor o vinho.
Não quero mais tua boca.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Casa dos sonhos

Frases e frases ecoam no campo de concreto. Sapatos pequenos e descoloridos das filhas das máscaras, que dançam com os rostos sempre em perfil. Um parceiro gentil após outro, cada um mais sombrio que a sombra de seus próprios parceiros, e suas vestimentas. A mão morna na luva fina, o olhar bailando pelas paredes dando as costas aos olhos. É necessário olhar o azul das paredes, o azul das cúpulas, o branco dos balaústres e vasos, o floreado dos ornamentos e vestes. Desfrutar do pálido creme dos tecidos, do pálido dos rostos, da ausência de perfumes. O rosto, suave, recebendo as mentiras em sorriso e aquiescência, o abraço à agulha fria, recriando níveis sonoros diversos para a melodia silenciosa dos quadros.
Ecoam no silêncio as frases do poeta morto, que nunca ousou recitar a vida e, mais profundamente, a morte da loucura na casa dos sonhos.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Novo Silêncio

Me movo de pés descalços na pedra crua fria que atravessa o rio faminto de quem soturno me quer matar

De traços finos e olhos vazios no meio do nada da noite acerto em cheio a sombra da sina distinta do medo

Se de passo em passo em lento cortejo me apego na alma de odor nauseado a espera infértil e débil do novo silêncio

A esquina transforma em silvo e fumaça na sombra silente que passa nas veias e espero ao menos agora que possa morrer

domingo, 13 de janeiro de 2013

Marina e o violão


Diz, só um pouco, que teu dia foi melhor
Diz que está com saudade, que vai me fazer um carinho
Vem cá, vamos dividir um sorriso e um cobertor
Fala comigo. Sem ti meu ombro é tão sozinho

O que eu posso dizer, se estou triste?
Fala comigo mesmo assim
Me oferece teu tempo e resiste,
Que teu jeito é remédio pra mim

Se chover, ah meu bem, se chover,
Até um abraço te dou,
De largar nunca mais e saber
O que é ou não
Amor

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

De abraço

Sim, meu irmão, eu entendo você querer me ensinar a abraçar, faz pouco tempo que cheguei nesse mundo, ainda não sei bem o que fazer. Mas entenda também, irmão, que mesmo sendo nossa dor assim semelhante, a que está em meu peito agora é maior que meus braços e menor que os seus. Então me deixa só encolher no teu peito e me envolve sem igualdade, que se eu explodir, você me guarda aí dentro para me montar de novo depois. De outra vez faço como você diz, prometo.