quinta-feira, 27 de outubro de 2011

De ratos e derrotas

Arranco à unha teu olhar de mim. E o calor de tuas mãos queima as minhas. Afasto o mal cheiro da minha raiva com a repulsa de quem enjoa da doçura do amor. Tua limpeza suja minha fumaça. Se é fato que todos querem ser felizes, não sei quem sou. Mas minha tristeza, e minha alegria, e minha embriaguês, são tão fajutas, tão fitas, quanto tudo que sou e finjo ser e não ser pra tentar ser algo mais que um nada poeirento. Como a camada colorida e brilhante que encobre uma água suja e oleosa. Meus ventos voaram pra longe. A tempos as flores dos teus beijos murcharam. E também com elas minhas borboletas. Não revolvo terras, não semeio, nada quero senão que o ar seja o que é. O ar não vira vento se empurrado. Tua tosse só me mostra que não sabes respirar o que sou. Mostra que queres, que precisas me expulsar dos teus pulmões. Ainda que sorria e finja. Que sorria e acene. E se não bastasse minha pele, teu olhar, tanto quero também me arrancar o sangue, me arrancar o sorriso, me arrancar por inteiro, arrancar tudo que não tenho raízes. E assim com as unhas cheias, com o olhar cheio, tudo que ele guardou, nada disso foi para alguém, ninguém viu, ninguém assistiu o enterro da minha última quimera, nem os gatos negros que me percorriam a pele ao sentir tua possibilidade em meu caminho. E de repente, fácil fosse, numa tragada o dia me finda.

Um comentário:

  1. Ele é pontuado, sabe. Pausado. E cada frase por si parece uma pontada dessas que dá no peito, vez ou outra. Essa coisa de arrancar à unha, bem no início, traz a palavra à pele e a gente sente tudo aqui. E ele é triste.

    Que coisa linda.

    ResponderExcluir