segunda-feira, 8 de março de 2010

Branco Carmim

Orland P. Mathies



– Nunca cheguem perto de mim. – traduzia-se ela.

Matilde Dharen vivia perto da Casa das Árvores de Bolddingross Ville. Não se isolava completamente por não poder conviver com isso. Diziam que era louca intolerante e intolerável. Ela dizia que não podiam chegar perto dela, que seria o fim de quem o fizesse. Acreditava ter uma maldição.
– A anátema ronda por mim. Porém jamais me toca. Amaldiçoados ficarão os que compartilharem minha atenção e minha vida. – Avisava.
Decerto era poeta ou algo do gênero antes de perder o lar. Espalhava que jovens que se aproximassem se apaixonariam e por ela morreriam; que moças a confiariam suas almas e seriam destruídas pelo fel da maldição; que a larva da mentira repugnante vivia à sua espreita; que muitos tolos tentariam defendê-la dos certos e amedrontados, que insultavam-na à distancia, e morreriam de fome ou deprimência; que perderiam os amigos e o lar quem lhe desse confiança e que a única coisa que ela poderia fazer de bom era o que estava fazendo: alertando.
Havia perdido sua casa e sua família durante a guerra. Mas era fato que eram poucos que se metiam a chegar perto, apesar da beleza e do caráter poético e cativante que demonstrava possuir através de escritos e pinturas que fazia na maior parte do tempo, e os que o faziam, bem, não se tinha notícias.
Até então não haviam comprovado nada sobre seu respeito nem sobre suas superstições. Então decidi eu mesmo tentar entendê-la. Ela tinha realmente uma personalidade exuberante como uma borboleta com asas de flor. A princípio persistiu em não me deixar aproximar-me alegando o de sempre. Considerei-me, a ela, como avisado. E ela, com aparente pesar, me abriu as portas.
Em algum tempo tornamo-nos muito amigos. Visitávamo-nos com frequência e eu não entendia nada do começo de toda a estória. Aos poucos ela parecia ter perdido o receio costumeiro.
Ela tinha um caráter realmente cativante. Via e dizia coisas fantásticas, coisas que eu sempre imaginei, outras, que nunca consegui nem imaginar, e que eram uma incrível tradução de meus próprios pensamentos.
Não me interessavam muito mais os livros. Já não passávamos mais um dia sem nos ver e Matilde não parecia mais temer isso. Tinha-se tornado impossível não pensar nela e em seu caráter conquistador. Mal notei como seu lábio retorcia-se para cima em um sorriso irônico quando lhe contava como a via e como não precisava de mais nada para acreditar nela além dela própria. Ela parecia realmente me amar. Estava cego. E eu a amava.
Dias aflitos, sem dormir e sem vida até resolver minhas resoluções. Ainda éramos amigos.
– Por que esses olhos tão escuros meu caro? Quem é a pequena com quem andas sonhando? – dizia-me ela com voz doce, o mesmo sorriso ameaçador nos olhos, como uma serpente colorida. E eu um coelho.
Até que decidi, no meio de mais uma noite insone, correr até ela, tomar-lhe nos braços e me denunciar. A ponto de euforia alcancei-a colhendo flores brancas. Ela estava de vestido igualmente branco com uma das flores no cabelo ruivo esvoaçante.
– Sabia que virias. – disse-me com um sorriso aberto nos lábios carmim. Agarrou meu braço e puxou-me para junto de uma árvore.
– Sempre vêm. – sem entender, ouvi-a murmurar para si mesma.
Sentados, tentei segurá-la nos braços, mas ela segurava meus pulsos na altura dos seus tornozelos. Com o coração nas mãos, tentei dizer-lhe o que sentia, mas ela calou-me com arrogância:
– Sei de tudo isso meu querido. Não pense em mais nada
Ela aproximou-se do meu rosto e o lábio dos meus ouvidos. Senti-a movê-los num sussurro, para mim:

– Foste avisado. – disse-me antes de debruçar-se para beijar-me. Antes de sentir garras gélidas nas veias e ardência nos olhos. Antes da dor lancinante. Antes das estrelas escurecerem e com elas se acentuar o cheiro amoníaco das flores brancas. Antes do silêncio.

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