quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Janela sobre o tempo

- Acorda papai – diz baixinho o Pedrinho.

Estava sonhando com minha mãe. Andávamos pela feira e ela falava com meu pai, mas eu não o via. Saímos da feira e mamãe e eu chegávamos à beira do rio. O rio Niúma, que dividia as terras. Do lado de cá eram nossas terras, do lado de lá as terras de não sei quem. Víamos as pedras no fundo e os peixes de tão clara a água. Ela me contava, no sonho, sobre as histórias dos Macauás.
- Não chegue perto do açude da cachoeira do Limião, Bento. Lá tem cobra e lontra, é muito fundo, não é pra ir pescar lá não – dizia minha mãe, com cara séria, olhando pra mim.
Eu, com cara de sim senhora, fazia que sim com a cabeça e chegando em casa, calçava as botinas e ia pescar. Eu queria por que queria pegar uma dourada. Já chegava perto da cachoeira quando via na margem montes de cascas de pitu. Lontras. Nunca fui de ter medo, eu dizia pra o menino que ia devagarzinho até a beira. Toquei a água escura e não enxerguei mais nada. Depois ouvi a minha mãe falando que dia de quaresma não é dia de sair para pescar.

Acordei e lembrei da voz do meu padrinho contando histórias, uma do moço que saiu pra ver a namorada num dia de semana-santa, contra os avisos do pai e da mãe, que diziam que ele tinha outros dias pra fazer isso. Dizia que ele montou a burrinha e saiu. No meio do caminho o moço escutou chocalhos de boi atrás dele. Chocalhos eram o jeito de achar os bois perdidos. A burrinha levantou logo as orelhas e empacou. Olharam pra trás e não viram nada, mas continuaram ouvindo. Cada vez mais perto até que a burrinha se amedrontou tanto que correu em disparada de tal jeito que ele mal conseguiu segurar as rédeas. E ela não parou até chegar na casa da moça, onde estancou na porta, de cabeça baixa e arfando igual ao moço, ficando lá parados e amarelos por um bom tempo. Dizia meu padrinho que o povo da cidade nunca esqueceu o ocorrido. Jurava de pés juntos que era verdade.

As mãozinhas do Pedro faziam risquinhos na minha cara. Fingi que dormia. A Bianca também veio me olhar.

- Papai é velho – dizia a Bia, analisando minhas rugas.

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