sábado, 15 de setembro de 2012

Capas


    Camila é aquela pessoa que sempre tem cara de estar triste ou cansada, mesmo quando está feliz, e, portanto, ninguém se preocupa de fato. Nesse momento, Camila está sentada no chão, em meio a um turbilhão de pessoas que provavelmente vão acabar pisando-a se não acharem que ela faz parte da decoração. Em meio a livros, discos, painéis e outras coisas, Camila procura A Peça, aquela coisa que ela não sabe bem o que é mas tem certeza de que pode encontrar. Mas enquanto isso ela procura alguma coisa pra levar, só por levar mesmo, e mesmo assim o faz com afinco, já tem uma pilha de possibilidades nas mãos. Ela tem a coluna flexível em posições estranhas e o nariz enfiado entre objetos de cada prateleira. Tudo são as estantes e a floresta de pernas muito próximas, sente o cheiro do jeans usado da estirada a seu lado. Seu olhar treinado passa rapidamente por capas, preços, cores e nomes, ela se levanta agilmente quando precisa passar para a próxima estante, sem atrapalhar ninguém, mas a floresta se move e o espaço é estreito,  agora da esquerda pra direita, esse não, não, não, não, hm, não, vejamos, talvez, "novo olhar sobre Odair José" - definitivamente não, esse... E um rosto, bem no momento em que desanuvia a atenção e também a vê - outra pessoa está abaixada. Sorriem-se, sem graça, da graça da cena.
- É... a gente tem que procurar bem.
- Pois é.
    De volta para a busca. Essa prateleira não é boa.
- Desculpa interromper... - A moça tem dois livros nas mãos - Ahm, você acha que eles tem cara de coisa de gente metida?
    O monte mal arrumado de Camila cai para o lado enquanto ela pensa na pergunta.
- Assim, desses livros comuns, autores famosinhos, best-sellers, coisa assim? Estou pensando em levar algum desses, mas não sei... Esse aqui parece bom, poesia. O que você acha?
- Ah, bem... Não sei, esse aqui talvez sim... É que aqui não tem coisas muito conhecidas mesmo sabe? Só uma coisa ou outra, a maioria é muito nova ou muito antiga, essa é a ideia.
- Ah, certo. Brigada.
- Nada.
    A cortina de pernas se move enquanto Camila se concentra de novo. Tinha mesmo achado os livros com a cara que a moça descreveu, mas ela parecia ter gostado deles. Não julgar um livro pela capa, pois é.
    Camila tem pequenos arranhões que não sabe de onde surgiram. Mais tarde, depois de passar pelo caixa - havia encontrado uma ou duas coisas interessantes - vê a tal moça passar com um dos livros. Camila não achou sua Peça, sempre aparecia uma coisa que a chamava a atenção, mas acabava não sendo o que ela esperava. Uma pena. Camila carrega uma bolsinha com sua compra banal, coisas boas, sim. Parece mais cansada que o habitual, talvez mais feliz.

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