segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Anna de chapéu

Roendo de forma cuidadosamente displicente a unha, Anna mira as letras inexistentes à sua frente. Lembra-se de não parecer tão procrastinadora e desfaz-se da atividade. Apóia a cabeça na outra mão, que se apóia sobre o cotovelo, que se apóia na mesa que, por sua vez, apóia-se mais firmemente que ela toda. Olha para a garotinha loira de olhos levemente puxados.
- Não me olhe assim, Louin.
A loirinha do retrato não se move nem um milímetro. Ela ouvia o silêncio de forma abusada. Capta de novo o olhar verde da garotinha, suspira, troca a mão que apoia a cabeça. Dessa posição, o retrato de uma moça sorri para ela, meio cega pelo sol, que, ela não deixa de notar, não está tão forte assim. Angelique. Tudo sempre girara em torno dela, até os braços de Anna.
- É, é, eu sei, não é sua culpa. - diz, sem olhar exatamente pra nada, que era precisamente o lugar onde deveria estar escrevendo. - Mas eu bem que gostaria que fosse. - resmunga por fim.
Levantou, tão abruptamente que a cadeira balançou atrás dela. Buscou água, resolveu procrastinar de forma mais saudável.
Durante um tempo indeterminável, o mundo foi sugado para o fundo do copo, só o que existia era o cristal líquido que ela sorvia hipnotizada. Tanto que, como ela não havia notado isso, quando ela acabou, virou-se para frente de novo e retirou o copo do rosto tão despreparadamente que ficou tonta, toda a conexão perdida. Essa não era a idéia dela de saudável, mas acontecia.
Posicionou o chapéu confortavelmente encaixado na cabeça. De repente ela respira. Bem isso, assim, do nada, ela percebe uma respiração verdadeira, como se há muito tempo não o fizesse. Anna começa a sentir, tem que voltar para o lugar da criação. Antes de chegar na sala, pisca nervosa. Chega até a mesa dançando, estava vindo.
- Vê, Louin, que lindo! - dizia, enquanto ia sorrindo e anotando.
Mas ela não falava mesmo com a garotinha dessa vez. Era apenas reflexo, ou hábito de se dirigir à alguém, ou distração. Seja o que for, dessa vez, a loirinha também não respondeu. A resposta foi a melodia que tomou conta do lugar, de Anna para fora.
Depois de saciada, ou quase, ela suspira, sem falar com nenhuma das duas.
- É, isso não muda tudo. Quase nada. Mas ainda tá vivo.

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